O BUDISMO: O TERCEIRO PILAR DO PENSAMENTO CHINES

A filosofia budista é o terceiro pilar do pensamento chinês, junto com o Taoismo e Confucionismo, que nasceu no século VI ou V AC na Índia com um homem conhecido como Siddharta Gautama. O Prof. Dr. Ricardo Gonçalves, do Departamento de Historia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo resume a vida de Buda:

 

“ Siddharta Gautama nasceu em data ignorada, provavelmente em meados do século VI A C, em Kapilavastu, no sopé do Himalaia, em território do atual Nepal. Era filho de Sudhodhana, nobre pertencente a assembléia que governava a pequena tribo dos saquias, tributária do vizinho reino de Kosala. Ele deveria herdar o cargo paterno, mas, ao completar 29 anos preocupado com problema do sofrimento humano e desejoso de encontrar um método para subjulgá-lo, abandonou a vida mundana e se tornou discípulo dos ascetas Alara Kalama e Uddaka Ramaputta, exercitando-se nas práticas das iogas preconizadas por estes mestres. Entretanto, tais práticas não o satisfizeram. Deixou então os mestres e praticou mortificações por seis anos. Ao cabo deste tempo foi levado a concluir que todos estes exercícios eram inúteis e imaginou então um novo método, passando a praticar meditação a sombra de uma arvore em Buddhagaya.Graças a esta meditação, logrou resolver todas as duvidas, realizando a experiência de iluminação ou satori, que consiste em obter o conhecimento correto de si mesmo e de todas as coisas. Procurando transmitir sua vivencia a outros, conseguiu reunir grande numero de simpatizantes e discípulos, antes de morrer com 80 anos.”(Gonçalves, 1992: 12)

 

Após a iluminação o Buda, o desperto ou iluminado, passou a pregar as “Quatro Nobres Verdades”. As eternas “Verdades” que são as concepções  centrais de seus ensinamentos:

 

“I -A Verdade de que toda a vida sensível envolve sofrimento.

II-A Verdade de que a causa dos repetidos renascimentos e sofrimentos

é a ignorância, associado ao desejo.

III-A Verdade que este processo de nascimento, morte e sofrimento pode

ser levado para um fim somente com a obtenção do Nirvana.

IV-A Verdade de que o Nirvana pode ser alcançado seguindo-se com per-

feição o Nobre Caminho Óctuplo que abrange Sila, Samadhi e Panna,

Isto é moralidade, meditação e compreensão intuitiva.

 

A Quarta Nobre Verdade do Budismo é conhecida como Caminho Óctuplo, que se compõe do seguinte:

 

  1. Palavra Correta
  2. Ação correta
  3. Meio de Vida Correto
  4. Esforço (mental) Correto
  5. Atenção Correta
  6. Concentração Correta
  7. Pensamento Correto
  8. Compreensão Correta” (Silva, 1978: 12)

 

O pensamento de Buda foi bem acolhido na China durante a dinastia Han e influenciou as escolas de filosofia chinesa. Associado a filosofia de Buda chegou a China  antiga a medicina budista, que segundo a tradição teve como pioneiro o próprio medico de Buda:  Dr. Jivaka no século V A C. O professor Ricardo Gonçalves coloca:

O Budismo foi pregado pela primeira vez na China nas primeiras décadas do seculo I da era cristã, durante a Segunda Dinastia de Han. Cerca de dois séculos antes os chineses, tinham começado a controlar as rotas de comércio da Ásia Central, conhecida como Caminho da Seda. Foi por este caminho e pelas rotas de comércio marítimo que o Budismo entrou na China, trazido por monges e mercadores oriundos da Índia e de reinos da Ásia central convertidos a lei de Buda. Pelas mesmas rotas, entraram na China os textos Budistas indianos, que foram traduzidos para o chinês por uma brilhante plêiade de monges tradutores, indianos, iranianos e mesmo chineses, que faziam longas peregrinações a Índia em busca de textos para traduzir.”  ( Gonçalves, 1992: 23)

 

A medicina budista afirma que existem quatro elementos que compõem o corpo humano. O Ratnakuta, traduzido para o chinês no segundo século da era cristã, afirma:

 

“1- A terra abrange tudo que é sólido no corpo humano…

2- A água abrange tudo que é liquido no corpo humano…

3- O fogo abrange tudo que é quente no corpo humano…

4- O vento abrange tudo que é movimento no corpo humano”

(Unschuld,1985:141)

 

A doença surge quando um ou mais destes quatro elementos aumenta ou diminui excessivamente. Esta afirmação da medicina budista é idêntica a do Ayurveda, a clássica medicina Indiana, com a diferença que no Ayurveda existe um quinto elemento que é o espaço ou éter.

A estrutura filosófica da medicina budista sofreu nas mãos dos tradutores chineses. houve interpretações equivocadas e muito pouco da literatura encontrou identificação no acervo cultural chinês.O prof. Paul Unschuld coloca que há tantas obras chinesas que ainda não foram examinadas que não será surpresa se ainda ocorrer uma influencia budista.

Hua to e Sun Si-miao ( 581 a 682D C) são citados como exemplos da influencia budista na Medicina Chinesa. Porem os esforços de Sun Si-miao em organizar a doutrina budista dos quatro elementos nas mesmas bases do paradigma do Qi, não foram suficientes para obter seguidores, talvez pelos erros matemáticos contidos na sua explicação. A falta de evolução e de seguidores nas técnicas de anestesia e cirurgia de Hua To ficaram sem explicação histórica. Uma possibilidade é que como sua história é muito semelhante a do médico indiano Jivaka, considerado o médico do próprio Buda, que Hua To seja uma fábula importada da Índia junto com o Budismo.

 

Prof. Dr. Aderson Moreira da Rocha

Médico de família, reumatologista, especialista em acupuntura pela Associação Médica Brasileira e especialista em Ayurveda pelo Arya Vaidya Pharmacy e Associação Brasileira de Ayurveda. Mestre e doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ e presidente da Associação Brasileira de Ayurveda.

A ESCOLA DO YIN–YANG

A teoria do Yin-Yang é tão antiga que muitas vezes confunde-se com a história da própria China. É difícil precisar exatamente quando surgiu pela primeira vez este pensamento, porém  Marcel Granet em “O Pensamento Chinês” relaciona as primeiras referências ao Yin-Yang  ao I-Ching:

“Não surpreende, portanto, constatar (levemos em conta aqui os acasos que regeram a conservação dos documentos) que as mais antigas exposições  conhecidas sobre o Yin-Yang estão contidas no Hi Zi, pequeno tratado anexado ao I Ching (o único manual de adivinhação que não se perdeu). Tampouco surpreende que o autor do Hi Zi fale do Yin-Yang sem pensar em dar uma definição deles. Na verdade basta lê-lo sem preconceitos para perceber que ele procede por alusão a idéias conhecidas. Veremos, inclusive, que o único aforismo contendo as palavras Yin e Yang em que podemos adivinhar a ideia que ele fazia destes símbolos aparece como uma fórmula pronta, um verdadeiro adágio: aliás, é nesse fato que reside a única possibilidade que nos é dada de conseguir interpretar este aforismo.

“Uma (vez) Yin, uma (vez) Yang ( yi Yin yi Yang), nisso está o Tao”, escreve o Hi Zi. Todo este adágio tem que ser adivinhado. A tradução mais literal corre o risco de falsear-lhe o sentido. A que acabo de fornecer já é tendenciosa sugere a interpretação: “um tempo de Yin, um tempo de Yang…” Sem dúvida existe a possibilidade de que o autor preocupado com a adivinhação encare as coisas do ponto de vista do tempo; entretanto, tomada em si, a fórmula poderia igualmente ler-se: “um ( lado) Yin, um (lado) Yang…” (Granet, 1997: 85)

O I Ching, livro das mutações, seria a referência mais antiga a teoria do Yin-Yang mas quando surgiu este antigo “oráculo chinês”, que foi dividido em 64 hexagramas  Richard Wihelm afirma:

“Segundo a tradição geralmente aceita, sobre a qual não temos motivo para levantar suspeitas, a atual compilação dos sessenta e quatro hexagramas teve sua origem com o Rei Wen, antecessor da dinastia Zhou. Diz-se que ele acrescentou breves julgamentos aos hexagramas durante o período que estava aprisionado por ordem do tirano Chou Hsin. O texto relativo as linhas foi redigido por seu filho, o Duque de Chou. Sob esta forma, com o título de “As Mutações de Chou”( Chou I ) foi usado como oráculo durante o período da dinastia Zhou como demonstram vários antigos registros históricos.” (Wilhem, 1983:11)

Apesar de Wilhelm colocar o I-Ching na época anterior a dinastia Zhou, Alaíde Mutzenbecher em seu trabalho sobre o I-Ching vai além:

“Composto apenas de duas forças, opostas e complementares, reconhecidas como primordiais desde o assentamento dos primeiros grupos tribais as margens do Rio Amarelo, no alvorecer da civilização chinesa, o fluxo do Yin-Yang admiravelmente sintetizado nas seis linhas ou etapas de cada hexagrama se constituía então dos traços impressos nas carapaças das tartarugas ou nos ossos dos animais. Impossível iniciar uma data que os chineses iniciaram a captação desta dinâmica energética. O par de forças inaugurais nas suas concatenadas variações, forma uma totalidade de possibilidades ( 8 x 8 ) resultando nos 64 hexagramas. Configura as energias vigentes entre céu e terra, codificadas apenas por linhas, em que as inteiras são denominadas Yang ______ e as partidas Yin ____ bem como todas as composições delas decorrentes. Tudo se resume em última instância, a malha de conexões dos pólos positivo e negativo, em todas as suas variações possíveis. Este foi também o texto fundador das ciências e das artes chinesas, incluindo as percepções das vibrações do corpo humano, ressaltadas na sua medicina, e dos espaços e construções habitados, enfatizadas no Feng Shui. Este mesmo fluxo energético constitui as bases da caligrafia a da pintura chinesa, e de todas as artes marciais do oriente. As implicações das mútuas repercussões dos pólos positivo Yang e negativo Yin constam das ciências mais modernas, pois se evidenciam na dinâmica da eletricidade e dos computadores, para citar apenas dois exemplos.“ (Mutzenbecher, 2002: 12 e 13)

Originalmente os ideogramas que representavam o Yin e o Yang significavam o lado escuro e o lado claro de uma montanha respectivamente. No Shih-Ching, uma coleção de canções populares do primeiro milênio a.C. faz a seguinte associação:

“O Yin está associado aqui com o frio, nublado, chuva, feminino, dentro e escuridão, enquanto o Yang simboliza uma linha de correspondência associada com: o brilho do sol, calor, primavera, verão e masculino.” (Unshuld,1985:55)

Na doutrina do Yin-Yang os termos Yin e Yang não apresentam nenhum significado específico, eles funcionam como símbolos utilizados para caracterizar duas linhas de correspondência. No Zouzhuan, comentário de Zou, uma crônica do período Zhou atribuída A Yi He, que teria vivido por volta do ano 540 A C observamos a aplicação da teoria do Yin-Yang a medicina:

“As seis influências são yin, yang, o vento, a chuva, a escuridão e a luz… um excesso de yin causa calafrios; um excesso de yang causa febre, um excesso de vento causa enfermidades nos membros; um excesso de chuva causa enfermidade no estômago; um excesso de escuridão afeta a mente; um excesso de luz afeta os sentimentos.”(Hoize e Hoize, 1993: 88)

Nesta afirmação de Yi He, médico durante a dinastia Zhou, observamos a importante utilização da medicina de correspondência sistemática aplicada as mudanças climáticas e a teoria do Yin-Yang. Yin Hui He e Zhang Bai Ne resumem a lei da oposição e restrição do Yin-Yang no seguinte parágrafo:

“A teoria do Yin e do Yang considera que qualquer objeto ou qualquer manifestação do mundo material está incluso no antagonismo complementar dos dois aspectos Yin e Yang, como o em cima e o embaixo, a direita e a esquerda, o céu e a terra,o movimento e o repouso, a saída e a entrada, o dia e a noite, o claro e o escuro, o frio e o quente, a água e o fogo etc. O Yin e o Yang enquanto antagônicos formam uma unidade que é por sua vez resultado deste antagonismo. Em outras palavras o antagonismo entre os dois em um aspecto de oposição e a unidade dos dois tem aspecto da complementaridade. Se não há antagonismo, não há unidade. Se não há oposição, também não há complementaridade. A principal manifestação característica do antagonismo complementar entre Yin e Yang é a mútua restrição. O resultado é que o Yin e o Yang alcançam a unidade no equilíbrio dinâmico denominado: o Yin floresce suavemente e o Yang estimula firmemente. Nas variações climáticas entre o morno, o calor, o fresco e o frio das quatro estações, o morno e o calor da primavera e do verão acontecem enquanto a energia Yang aumenta gradativamente, inibindo a energia fria e fresca do outono e inverno. O frio e fresco do outono e inverno acontecem enquanto a energia Yin aumenta gradativamente, inibindo a energia quente e morna da primavera e do verão. Isto é o resultado da mútua inibição e do equilíbrio dinâmico existente entre o Yin e o Yang da natureza.”  ( He e Ne, 1999: 19)

Esta colocação de Yin Hui He e Zhang Bai Ne resume a alternância e a complementaridade do Yin-Yang na natureza. Mas a medicina de correspondência sistemática utilizou, principalmente a partir do século V A C, a teoria do Yin-Yang aplicada as enfermidades. Com relação a aplicação do Yin-Yang a medicina Maciocia afirma:

“Poder-se-ia dizer que a Medicina Chinesa como um todo, sua fisiologia, patologia, diagnóstico, e tratamento, podem ser reduzidos a teoria básica e fundamental do Yin e do Yang. Todo processo fisiológico e todo sintoma ou sinal podem ser analisados sob a ótica da teoria do Yin-Yang. Cada parte do corpo humano apresenta um caráter predominantemente Yin ou Yang, muito importante na prática clínica. Deve-se enfatizar todavia que este caráter é somente relativo. Por exemplo, a área torácica é Yang em relação ao abdome (por ser mais alta), mas Yin em relação a cabeça.

Os caracteres Yin e Yang das estruturas corporais  são :

Yang                                                       Yin

Superior                                                  Inferior

Exterior                                                   Interior

Superfície póstero-lateral            Superfície antero-medial

Costas                                                       Frente

Função                                                      Estrutura

Cabeça                                                     Corpo

Exterior (pele-músculos)               Interior ( órgãos )

Acima da cintura                                Abaixo da cintura

Função dos órgãos                             Estrutura dos órgãos

Qi                                                                 Sangue”

(Maciocia, 1996:9)

 

A medicina de correspondência sistemática apresenta além da teoria do Yin-Yang mais três conceitos que são fundamentais dentro do seu desenvolvimento como uma racionalidade médica: As 5 fases , também chamadas de 5 elementos ou movimentos ( wu xing ), a teoria do Qi e os meridianos chineses ( jing luo ). Iremos analisar cada uma destas teorias que compõem a racionalidade médica chinesa nos primórdios de seu desenvolvimento histórico.

AS 5 FASES ou 5 MOVIMENTOS – WU XING

A teoria das 5 Fases, movimentos ou elementos (Wu Xing) junto com a teoria do Yin-Yang são as bases da medicina de correspondência sistemática que veio mudar o paradigma da saúde na China, principalmente a partir do século V a.C. Não estamos afirmando aqui que a medicina mágico-demonológica deixou de existir mas que os médicos do final da dinastia Zhou iniciaram um processo de buscar na natureza e seus fenômenos a causa das doenças e deixou-Se para os Shamans, que ainda estavam em franca atividade, as relações com o sobrenatural, ou seja com a magia, espíritos e demônios. O famoso escritor e acupunturista Giovanni Maciocia afirma:

“Pode-se dizer que a Teoria dos Cinco Elementos e sua aplicação na medicina marcam o início do que nós podemos chamar de “medicina científica” e o início da partida do Shamanismo. Os curadores não mais procuravam uma causa sobrenatural para as patologias: agora eles observam a Natureza e, com uma combinação dos métodos indutivo e dedutivo, começam a achar os padrões dentro disto e, por extensão, os aplicam na interpretação das patologias.”  (Maciocia, 1996; 23)

O livro Shang Shu, é provavelmente a mais antiga referência aos Cinco Elementos, ou como prefere Ted  Kapchup ( Kapchup, 1983: 343) “As Cinco Fases”, que chegou aos nossos dias. Acredita-se que tenha sido escrito no período médio da dinastia Zhou  entre 659 a 627 A C:

“Os Cinco Elementos são: Água, Fogo, Madeira, Metal e Terra. A Água umedece em descendência, o Fogo chameja em ascendência, a Madeira pode ser dobrada e esticada, o Metal pode ser moldado e endurecido, a Terra permite a disseminação, o crescimento e a colheita.” (Maciocia, 1996: 23)

Em seu pioneiro trabalho sobre a Medicina Chinesa no ocidente, “The Web That Has No Weaver”, Ted Kapchup comenta o erro nas traduções do Wu Xing pelos autores ocidentais:

“As Cinco Fases não são de maneira nenhuma constituintes da matéria. Este equívoco tem sido incorporado no erro comum de tradução; “Cinco Elementos” e exemplifica os problemas que surgem ao olharmos as coisas chinesas com o modelo de referência ocidental. O termo chinês que nós traduzimos como Cinco Fases é Wu Xing. Wu é o número cinco e Xing significa andar ou mover e talvez, mais adequadamente, nos traz a idéia de um processo. O Wu Xing, portanto são cinco tipos de processos, por conseguinte as Cinco Fases e não os Cinco Elementos. A teoria das fases é um sistema de correspondências e padrões que inserem eventos e coisas, especialmente em relação as suas dinâmicas. Mais especificamente cada Fase é um emblema que denota uma categoria de qualidades e funções relacionadas. A Fase chamada Madeira está associada com funções ativas que estão na fase de crescimento. O Fogo designa uma função que atingiu o seu máximo estado de atividade e está para começar a declinar ou entrar em um estado de repouso. Metal representa a função em um estado de declínio. A Água representa a Fase que atingiu o máximo estado de repouso e está para mudar em direção a atividade. Finalmente a Terra designa equilíbrio ou neutralidade, em certo sentido, a Terra é o pára-choque entre as outras Fases. Em um sentido que as Fases correlacionam-se a fenômenos observáveis da vida humana dentro de imagens derivadas do macrocosmos. Elas têm uma função similar dos elementos em outros sistemas médicos. Em termos mais concretos as Cinco Fases podem ser usadas para descrever os ciclos biológicos em termos de crescimento e desenvolvimento. A madeira corresponde a Primavera, O Fogo ao verão, o Metal ao outono e a Água ao inverno. E a Terra corresponde a transição em cada estação.” (Kapchup, 1983: 343)

Os Cinco Elementos ou Fases correspondem a cinco tipos de movimentação da matéria. O povo da China antiga durante os longos anos de existência, reconhecia a madeira, o fogo, a terra, o metal e a água como os elementos mais básicos e indispensáveis da natureza e os denominava as cinco matérias Wu Cai.

O principal expoente da teoria das Cinco Fases, Wu Xing, foi Zou Yan, que viveu entre 350 a 270 A C, ele procurava interpretar as mudanças sócio-políticas de acordo com a teoria dos Cinco Elementos, certa vez afirmou:

“Cada um dos Cinco Elementos é seguido por outro que não pode dominar. A dinastia Shun, dominava pela virtude da Terra, a dinastia Xia dominava pela virtude da Madeira, a dinastia Shang dominava pela virtude do Metal e a dinastia Zhou dominava pela virtude do Fogo. Quando alguma dinastia nova está para se Formar, o céu exibe sinais propícios para as pessoas. Durante a ascensão da dinastia Huang Ti ( o Imperador Amarelo), vermes e formigas grandes apareceram. Ele disse: “isto indica que o elemento Terra está em ascensão, então a cor deve ser amarela, e os nossos negócios devem estar identificados de acordo com os sinais da Terra”. Durante a ascensão de Yu, o Grande, o céu produziu plantas e árvores as quais não murcham no outono nem no inverno. Ele disse: isto é uma indicação de que o elemento Madeira está em ascensão, então nossa cor deve ser verde e nossos negócios devem estar identificados de acordo com os sinais da madeira’… (Maciocia, 1996: 24)

Existem, tradicionalmente, duas sequências de relações entre os Cinco Movimentos, Fases ou Elementos: A seqüência de geração e a seqüência de dominância que tem implicações na fisiologia, patologia, diagnóstico  e tratamento na Medicina Chinesa de correspondência sistemática. Foge ao objetivo desta pesquisa detalhar cada uma das aplicações das Cinco Fases na Medicina Chinesa mas vamos citar as palavras de Maciocia em relação as seqüências de geração e dominância:

“Na seqüência de geração cada Elemento gera o outro, sendo ao mesmo tempo gerado. Assim a Madeira gera o fogo, o Fogo gera a Terra, a Terra gera o Metal, o Metal gera a Água, e a Água gera a Madeira. Desta forma, por exemplo, a Madeira é gerada pela água, que por sua vez gera o Fogo. Isto é algumas vezes expressado como; a Madeira é filha da Água e mãe do Fogo. Na seqüência de controle cada elemento controla o outro ao mesmo tempo que é controlado. Assim Madeira controla a Terra, Terra controla a Água, a Água controla o Fogo, o Fogo controla o Metal e o Metal controla a Madeira. Por exemplo: a Madeira controla a Terra mas é controlada pelo Metal. A seqüência de Controle assegura que um equilíbrio seja mantido entre os Cinco Elementos.” ( Maciocia, 1996: 27)

Posteriormente, As Cinco Fases ou Cinco Elementos foram associados a teoria do Yin-Yang, que era mais antiga e utilizados em conjunto na medicina de correspondência sistemática. Este sincretismo entre as teorias do Yin-Yang e das Cinco Fases com o conceito do QI e dos meridianos chineses, Jing-Lo, veio formar os pilares da medicina de correspondência sistemática, que apresenta como primeiro texto o Huang Ti Nei Ching; compilação dos conhecimentos da Medicina Chinesa clássica até o século II a.C.

Em relação a correspondência dos Cinco Elementos dentro da Medicina Chinesa Giovanni Maciocia afirma:

“O sistema de correspondências é uma parte importante da Teoria dos Cinco Elementos. Este sistema é típico do pensamento chinês, conectando muitos fenômenos diferentes e qualidades dentro do microcosmo e o macrocosmo sob a proteção de um determinado Elemento. Os antigos filósofos chineses encontraram uma relação entre fenômenos aparentemente não conectados como um tipo de “ressonância” entre os mesmos. Vários tipos de fenômenos estariam unificados por uma qualidade comum indefinida, assim como dois fios vibrariam em uníssono. Um dos aspectos mais típicos da Medicina Chinesa é a ressonância comum entre os fenômenos da Natureza e do organismo. Algumas destas correspondências são amplamente verificadas e experimentadas o tempo todo na prática clínica, sendo que algumas parecem não convincentes, mas persiste a sensação de que há uma sabedoria profunda por trás de todas elas, a qual é ocasionalmente desconhecida.” (Maciocia, 1996:28)

Algumas das correspondências dos Cinco Elementos:

Madeira               Fogo              Terra             Metal              Água

 

Estações         Primavera            Verão            Canícula        Outono           Inverno

 

Direções         Leste                     Sul                 Centro           Oeste             Norte

 

Cores              Verde                 Vermelho        Amarelo         Branco           Negro

 

Sabores           Ácido                 Amargo           Doce               Picante          Salgado

 

Climas            Vento                 Calor                Umidade         Secura           Frio

 

Desenvolvimento    Nascimento      Crescimento    Transformação   Colheita      Armazenamento

 

Órgãos Yin      Fígado              Coração          Baço-Pâncreas     Pulmão          Rim

 

Víscera Yang    Vesícula         Intestino           Estômago            Intestino        Bexiga

Biliar            Delgado                                         Grosso

 

Prof. Dr. Aderson Moreira da Rocha

Médico de família, reumatologista, especialista em acupuntura pela Associação Médica Brasileira e especialista em Ayurveda pelo Arya Vaidya Pharmacy e Associação Brasileira de Ayurveda. Mestre e doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ e presidente da Associação Brasileira de Ayurveda.

O PARADIGMA DO QI: UM CONCEITO ALÉM DA ENERGIA VITAL

O paradigma do Qi é inseparável da medicina de correspondência sistemática  mas muitas vezes é equivocadamente interpretado de forma limitada por autores ocidentais que tentam utilizar conceitos cartesianos  para definir o Qi. O conceito do Qi chamou a atenção de filósofos chineses de todas as épocas até os tempos modernos.

O Concise English-Chinese Chinese English Dictionary traduz a palavra Qi como ar ou ar fresco já o Pocket Chinese English Dictionary afirma que Qi é ar, vapor, gás, respiração ou influência. Apesar disto muitos autores ocidentais traduzem a palavra como energia que  em mandarim é “huoli” .(Cowie and Evison, 1986: 194). Na verdade o ideograma chinês consiste de 2 partes: vapor subindo e arroz. Unschuld acrescenta:

“O caractere Qi consiste de dois segmentos distintos: um ideograma indicando “vapor subindo” que é colocado sobre o ideograma do arroz ou painço. Logo o caractere inteiro deve ser lido como o vapor subindo do arroz ou painço… Uma leitura mais genérica seria “vapores subindo do alimento” seria uma Versão alternativa do caractere, citada pelo dicionário etimológico Shuo-Wen do ano 100 D C …. Por tanto eu traduzi como “a influência mais refinada da matéria” ou simplesmente “influência”, com uma conotação material ou substancial em mente. Este pode não ser a interpretação ideal mas a escolha deste termo e a argumentação no qual ele é baseado deve demonstrar que a tradução de Qi, por alguns autores ocidentais e asiáticos, como energia representa um erro de concepção que não é apoiado pelas fontes chinesas antigas” ( Unschuld, 1985: 72)

O termo paradigma é adequado porque  o conceito de Qi está mais próximo de ser um modelo do que de ser uma entidade estável. Exatamente por isto que a tentativa de vários autores, ocidentais e orientais, de traduzir a palavra acaba limitando o modelo e sendo um equívoco, pois não existe uma palavra em qualquer língua ocidental que exprima de forma adequadamente o conceito de Qi dentro do pensamento chinês. Interessante observarmos a definição de Qi de Yin Hui He e Zhang Bai Ne:

“O Qi é a substância da matéria que está em movimento. Ela é tão fina, que não há nada no seu interior, e tão grande que não há nada no seu exterior. Tudo que é matéria é resultado do Qi em movimento. Sobre isto no “Huang Ti Nei Ching  Su Wen” encontramos: “Na origem do que é o céu está o Qi do céu. Na origem do que é a terra está o Qi da terra. O Qi do céu e da terra, juntos, se dividem nas seis estações e formam todas as coisas”. Em todas as coisas, neste texto, sem dúvida está incluso o homem. No Su Wen , Da Formação do Precioso da Vida encontramos: “O homem adquire a sua forma na terra. O destino está no céu. O Qi combinado do céu e da terra possibilita as atividades vitais do homem”( He e Ne,1999:5)

Com isto podemos ver que o paradigma do Qi é extremamente complexo e a melhor forma de abordarmos esta complexidade é entendermos o modelo sem tentar traduzi-lo para uma palavra, em nossa língua que, necessariamente, iria limitar o conceito. O professor Cheng Xin Nong, considerado um dos maiores acupunturistas do século XX afirma:

“De acordo com o pensamento chinês antigo, o Qi era a substância fundamental construtora do universo, e todos fenômenos são produzidos pelas mudanças e movimentos do Qi. Este ponto de vista influenciou, marcadamente, a teoria da Medicina Tradicional Chinesa. Falando de uma forma geral, a palavra Qi dentro da Medicina Tradicional Chinesa refere ao mesmo tempo as substâncias essenciais do corpo humano que mantém suas atividades vitais e as atividades funcionais dos tecidos e órgãos Zang Fu. As substâncias essenciais são a fundação das atividades funcionais. Neste sentido o Qi é muito rarefeito para ser visto e sua existência é manifestada nas funções dos órgãos Zang Fu. Todas as atividades vitais do corpo humano são explicadas pelas mudanças e movimentos do Qi. (Nong, 1997:46)