O PARADIGMA DO QI: UM CONCEITO ALÉM DA ENERGIA VITAL

O paradigma do Qi é inseparável da medicina de correspondência sistemática  mas muitas vezes é equivocadamente interpretado de forma limitada por autores ocidentais que tentam utilizar conceitos cartesianos  para definir o Qi. O conceito do Qi chamou a atenção de filósofos chineses de todas as épocas até os tempos modernos.

O Concise English-Chinese Chinese English Dictionary traduz a palavra Qi como ar ou ar fresco já o Pocket Chinese English Dictionary afirma que Qi é ar, vapor, gás, respiração ou influência. Apesar disto muitos autores ocidentais traduzem a palavra como energia que  em mandarim é “huoli” .(Cowie and Evison, 1986: 194). Na verdade o ideograma chinês consiste de 2 partes: vapor subindo e arroz. Unschuld acrescenta:

“O caractere Qi consiste de dois segmentos distintos: um ideograma indicando “vapor subindo” que é colocado sobre o ideograma do arroz ou painço. Logo o caractere inteiro deve ser lido como o vapor subindo do arroz ou painço… Uma leitura mais genérica seria “vapores subindo do alimento” seria uma Versão alternativa do caractere, citada pelo dicionário etimológico Shuo-Wen do ano 100 D C …. Por tanto eu traduzi como “a influência mais refinada da matéria” ou simplesmente “influência”, com uma conotação material ou substancial em mente. Este pode não ser a interpretação ideal mas a escolha deste termo e a argumentação no qual ele é baseado deve demonstrar que a tradução de Qi, por alguns autores ocidentais e asiáticos, como energia representa um erro de concepção que não é apoiado pelas fontes chinesas antigas” ( Unschuld, 1985: 72)

O termo paradigma é adequado porque  o conceito de Qi está mais próximo de ser um modelo do que de ser uma entidade estável. Exatamente por isto que a tentativa de vários autores, ocidentais e orientais, de traduzir a palavra acaba limitando o modelo e sendo um equívoco, pois não existe uma palavra em qualquer língua ocidental que exprima de forma adequadamente o conceito de Qi dentro do pensamento chinês. Interessante observarmos a definição de Qi de Yin Hui He e Zhang Bai Ne:

“O Qi é a substância da matéria que está em movimento. Ela é tão fina, que não há nada no seu interior, e tão grande que não há nada no seu exterior. Tudo que é matéria é resultado do Qi em movimento. Sobre isto no “Huang Ti Nei Ching  Su Wen” encontramos: “Na origem do que é o céu está o Qi do céu. Na origem do que é a terra está o Qi da terra. O Qi do céu e da terra, juntos, se dividem nas seis estações e formam todas as coisas”. Em todas as coisas, neste texto, sem dúvida está incluso o homem. No Su Wen , Da Formação do Precioso da Vida encontramos: “O homem adquire a sua forma na terra. O destino está no céu. O Qi combinado do céu e da terra possibilita as atividades vitais do homem”( He e Ne,1999:5)

Com isto podemos ver que o paradigma do Qi é extremamente complexo e a melhor forma de abordarmos esta complexidade é entendermos o modelo sem tentar traduzi-lo para uma palavra, em nossa língua que, necessariamente, iria limitar o conceito. O professor Cheng Xin Nong, considerado um dos maiores acupunturistas do século XX afirma:

“De acordo com o pensamento chinês antigo, o Qi era a substância fundamental construtora do universo, e todos fenômenos são produzidos pelas mudanças e movimentos do Qi. Este ponto de vista influenciou, marcadamente, a teoria da Medicina Tradicional Chinesa. Falando de uma forma geral, a palavra Qi dentro da Medicina Tradicional Chinesa refere ao mesmo tempo as substâncias essenciais do corpo humano que mantém suas atividades vitais e as atividades funcionais dos tecidos e órgãos Zang Fu. As substâncias essenciais são a fundação das atividades funcionais. Neste sentido o Qi é muito rarefeito para ser visto e sua existência é manifestada nas funções dos órgãos Zang Fu. Todas as atividades vitais do corpo humano são explicadas pelas mudanças e movimentos do Qi. (Nong, 1997:46)