QiGong: A Técnica Milenar para o equilíbrio da mente e do corpo

O Qigong (氣功) (pronucia-se Ch’i Kon) é uma prática de saúde milenar de origem chinesa com elementos da Medicina Tradicional e da Filosofia Taoísta. Praticada  há séculos, espalhou-se por toda Ásia oriental através da imigração chinesa.  De acordo com o pensamento médico chinês, o corpo humano contém 3 elementos essenciais denominados Qi (氣), Xue (血) e Shui (水), respectivamente, “energia”, “sangue” e “água”, que são os fluidos corporais. O Qi pode ser traduzido como “energia vital”, “sopro vital” e etc. Ele flui em nosso organismo e “impulsiona” a circulação do sangue e os outros fluidos pelo corpo humano, além de garantir o funcionamento dos órgãos internos, ou seja, é a força da vida.  Quando há um bloqueio ou desequilíbrio no fluxo do Qi em nosso organismo, a circulação sanguínea e por conseqüência o normal funcionamento dos órgãos internos é influenciado, surgindo assim as doenças. As lesões físicas nos órgãos internos, que causam úlceras e etc são  conseqüência de anos de descuido com os desequilíbrios energéticos do nosso corpo, que podemos detectar, mas muitas vezes não damos a devida importância.  Porém, enquanto o problema se manifesta apenas preliminarmente ao nível energético, ele é muito mais fácil de ser resolvido.
A Técnica baseia seus exercícios nos chamados “3 ajustes” san-diao: O equilíbrio do corpo (Diao shen); da respiração (Diao xi)  e da mente(Diao xin). Assim ele nos permite, de forma completa e envolvendo esses 3 elementos que formam um todo, através de exercícios de respiração, controlar e harmonizar o fluxo de “energia” interna em nosso corpo por dentro dos jing luo, canais e colaterais por onde circula o Qi pelo organismo. Esta técnica inclui exercícios de concentração, relaxamento dos músculos e tendões e pode ser praticada de maneira estática ou em movimento. O Qigong pode ser praticado por qualquer pessoa e tem um efeito benéfico semelhante ao do Yoga, porém com exercícios mais fáceis de serem executados, principalmente para idosos. A partir da 1ª vez, o praticante já pode sentir seus efeitos: relaxamento e uma sensação de bem estar físico e mental.
Rubens Nemitz
Diretor do Centro de Cultura Oriental – RJ
Professor de Qi ong, Taichi e idioma chinês & japonês escrito e falado
www.tohobunkagakuin.com

O TAOISMO

Ainda no final da Dinastia Zhou no período chamado “Os Estados Combatentes” aparece um personagem importante na historia do pensamento chinês que irá fundar a segunda das 3 escolas de filosofia clássica chinesa: Lao Tzu ;  da fundador da escola taoista.

 

    Alan Watts no seu trabalho titulado: TAO; o curso do rio afirma:

“Até bem recentemente, acreditava-se que Lao Tzu ( também conhecido como Lao Tan ou Li Erh) vivera na época de Confúcio (K`ing Fu-tzu ), ou seja no século VI e V A C., supostas datas da vida de Confúcio, 552 a 479 A C. O nome Lao Tzu significa Velho Garoto, originário da lenda que havia nascido com cabelos brancos. Esta data baseia-se em controvertida passagem do historiador Ssu-ma Ch`ien (145 a 79 AC), o qual relata que Lao Tzu era curador da biblioeca real na capital Lo-yang, onde Confúcio visitou-o em 517 A C.”

 

         “Li (Lao Tzu) disse a k`ung ( Confúcio ): Os homens de quem fala estão mortos e seus ossos reduzidos a pó; restaram apenas suas palavras. Ademais, quando o homem superior tem oportunidade, ele chega ao alto; mas quando o tempo está contra ele é levado pela força das circunstancias. Ouvi dizer que um bom comerciante, a despeito dos ricos tesouros que guarda em segurança, aparenta ser pobre e que o homem superior, a despeito de sua extrema virtude, ainda assim externamente parece estúpido. Deixe de lado seus ares orgulhosos e seus muitos desejos, seus hábitos insinuantes e sua vontade desenfreada. Elas não lhes são vantajosas; – isto é tudo que tenho a lhe dizer.”

 

Após a entrevista, Confúcio teria dito:

“Sei como os pássaros voam, como os peixes nadam e como os animais correm. Mas o corredor pode ser apanhado em uma armadilha, o nadador fisgado e o voador colhido pela flecha. Contudo existe o Dragão; não sei como ele cavalga o vento, atravessando as nuvens e chega aos céus. Hoje encontrei Lao Tzu, e só posso compará-lo ao dragão.” (Ssu-ma Ch’ien, em Watts, 1991: 25)

 

Porem quem foi Lao Tzu, chamado de Velho Mestre, e fundador da escola Taoista que junto com o Confucionismo e o Budismo formam as 3 escolas clássicas do pensamento chinês. Nós temos muito poucas informações sobre o sábio; a fonte mais fidedigna vem de Ssu-ma Ch`ien, historiador do século II AC, que escreveu o Shih Chi :

 

“ Lao Tzu foi um nativo do povoado de Chu`jen, em Li hsiang, no distrito de k`u, no estado de Ch`u. Seu nome próprio era Erh, seu pseudônimo era Tan, e seu nome de família era Li…Lao Tzu praticava o Caminho ( Tao ) e a força ( Te). Sua doutrina  tinha como objetivo o “auto-esquecimento”e o “anonimato”…Lao Tzu era um cavalheiro recluso. Seu filho chamava-se Tsung que tornou-de um general do estado de Wei…” ( Ssu-ma Ch’ien, em Fung Yu Lan, 1994: 171)

 

E Ssu-ma Ch`ien acrescenta:

 

“ Lao Tzu cultivou o Tao e seus atributos, tendo como principal objetivo de seus estudos manter-se oculto e desconhecido. Continuou residindo na capital de Chou, mas após um grande período de tempo, testemunhou o declínio da dinastia, dirigiu-se a saída da cidade e deixou o reino, rumando para o noroeste. Yin Hsi, o guarda do portão disse a ele: “você está prestes a desaparecer de nossas vistas, permita-me insistir que componha ( primeiro) para mim um livro.” Aquiescendo, Lao Tzu escreveu uma obra em duas partes, expondo as suas visões sobre o Tao e seus tributos em mais de 5000 caracteres. Em seguida partiu e não se sabe onde morreu. Ele era um homem superior que preferiu manter-se no anonimato.” ( Ssu-ma Ch’ien, em Watts, 1991: 26)

O próprio Lao Tsu, no capitulo 20 de sua obra, nos deixa o melhor retrato de si mesmo:

“ Afaste-se do aprendizado e não terá preocupações.

Que distancia há entre o sim e o é ?

As coisas que o povo teme só podem ser temidas.

Verdadeiramente selvagem é o descentrado!

A maioria das pessoas celebra

como se assasse uma vaca abatida,

ou admirasse paisagens primaveris.

Somente eu sou indiferente,

Sem demonstrar sinais,

como a criança que ainda não sorri,

movendo-se sem rumo

sem saber para onde ir.

A maioria das pessoas tem demasiado;

Somente eu pareço estar perdendo algo.

Na verdade minha mente parece a de um ignorante

em sua inalterada simplicidade.

As pessoas comuns tentam brilhar;

somente eu pareço ser escuro.

As pessoas comuns tentam ser alerta;

somente eu pareço descuidado,

calmo como as profundezas do oceano,

flutuando como se ancorado em lugar nenhum.

A maioria das pessoas tem meios e fins;

Somente eu sou simples e sem sofisticação.

Somente eu sou diferente das pessoas,

Procuro buscar o alimento na mãe.”

(Lao Tzu, em Clearly, 1991: 38)

 

Esta antiga obra ficou conhecida como Tao Te Ching, foi organizado em 81 capitulos e é considerada a primeiro texto taoista, e influenciou todo uma linha de pensamento que veio a ser desenvolvida a partir do século V A C com os chamados “mestres do Tao”. A filosofia taoista teve, assim como o confucionismo, um importante papel no desenvolvimento do pensamento médico chinês e principalmente da medicina de correspondência sistemática.

Porem para entendermos a influencia do pensamento taoista e das diversas escolas filosóficas e religiosas, que tiveram origem nesta linha de pensamento, e foram importantes no processo de desenvolvimento histórico da racionalidade medica chinesa temos que tentar compreender o que é o taoísmo. Com certeza isto não é uma tarefa simples para uma mente ocidental cartesiana e treinada no pensamento lógico.

 

O sábio Lao Tzu, fundador da escola taoista, no primeiro capitulo do Tao Te Ching afirma :

“ O Tao que é chamado por um nome

não é o Tao eterno.

O nome que pode ser pronunciado

não é o nome eterno.

No inonimado ( wu ming ), o céu e a terra

tem sua origem.

Ao serem chamados por um nome  ( yu ming),

todas as coisas tem o seu inicio.

Por isto o coração puro livre de cobiça e desejo

(wu-yu )

contempla o milagre do Tao,

mas a mente ( yu-yu) perturbada pelos desejos

só pode ver os seus limites.

Tanto o não-ser (wu) como o ser (yu) tem

raízes

no mesmo fundo primordial,

só se distinguindo pelo nome.

Ao se unirem ( os opostos) realiza-se o

.                  mistério.

E o mistério ainda mais profundo do mistério

A porta da qual surgem todos os milagres”.

(Lao Tzu, em Miyuki, 1990: 31)

 

Podemos notar a semelhança entre a filosofia de Lao Tzu e o pensamento hindu como descrito pelo Swami Vivekananda em suas palestras:

“Ele, o Único, vibra mais rapidamente que o espírito, atinge uma velocidade tal que o espírito jamais pode atingir; mesmo os deuses não podem atingi-Lo, nem o espírito alcança-lo. Quando se move tudo se move. Nele tudo existe. Está em movimento e está, também, imóvel. Está perto e está longe. Está no interior de todas as coisas e está fora de todas as coisas interpenetrando-as. Aquele que enxerga em cada ser esse mesmo atma, jamais se afasta muito deste atma. Sómente quando toda a vida e o universo inteiro forem vistos nesse atma, o homem terá encontrado o segredo. Para ele não haverá mais desilusão. Onde, ainda, haverá infelicidade, para aquele que vê essa Unidade no universo? É da idéia de separação entre átomo e átomo que surgem todas as infelicidades. Mas o vedanta nos diz que esta separação não existe não é real. É apenas aparente, superficial. No coração das coisas há sempre Unidade. Se você penetrar sob a superfície, verá esta Unidade entre homens e homens, entre raças e raças, grandes e pequenos, ricos e pobres, deuses e homens, homens e animais. Se descer mais profundamente ainda, tudo será mostrado como sendo variações do Um, e aquele que chegar a esta concepção da Unidade não conhecerá mais a desilusão.” ( Vivekananda, em Kielce, 1986: 77)

 

O Taoísmo, associado ao conceito de Tao, foi utilizado em diferentes momentos da história chinesa por correntes distintas de pensamento. Unschuld afirma: “A designação Taoísmo coloca junto diferentes grupos, as vezes mesmo contraditórios, correntes intelectuais que não tem muito mais em comum que o conceito de Tao, a insondável lei da natureza.

O Confucionismo também se refere ao Tao, mas O conceito significa alguma coisa como a correta maneira da coexistência humana na sociedade. Isto aponta uma das diferenças fundamentais entre as duas doutrinas. Os confucionistas acreditavam que eles podiam alcançar o entendimento do homem do estudo do próprio homem, a mais alta das criaturas, os taoistas sentiam que a observação da natureza levava a compreensão do homem, uma criatura que em uma ultima análise não era melhor que o pior dos vermes. Mas os Taoistas não estavam muito interessados na compreensão do próprio homem e sim com o conhecimento de como o homem pode melhor submeter-se as leis da natureza. Deste modo “nenhuma intervenção ativa” ( wu-wei) é um dos preceitos centrais e mais conhecidos do Taoismo.

Enquanto que os Confucionistas acreditaram implicitamente na força moral  (te), resultante da aderência a um detalhado sistema de rituais, para retificar a situacão política, os taoistas do quarto, terceiro e subseqüente séculos A C, explicitamente rejeitaram tal infração submissa, baseando a sua própria doutrina no potencial (te) que nasce da adaptação ao Caminho da Natureza ( Tao). O titulo e o conteúdo do clássico taoista Tao Te Ching, claramente expressa estas concepções. Adaptação,  conformidade, passividade, e fraqueza  mas não ação independente, controle, e intervenção- foram os valores derivados destes ideais. Estas seguintes passagens do Tao Te Ching, nas palavras de Lao Tzu servem para ilustrar estes pontos:

O homem é fraco e flexível quando ele nasce,

sólido e forte quando ele morre.

As plantas e arvores são macias e viçosas quando germinam,

ressecadas e duras quando morrem.

Por isto aquilo que é sólido e poderoso é parte da morte,

E aquilo que é macio e fraco é parte da vida.

Por tanto, se as armas são poderosas, a vitória é impossível,

uma árvore forte atrai a atenção dos lenhadores.

A força e o poder ficam abaixo; fraqueza e maciez colocam-se acima

Em todo o mundo nada é mais flexível que a água.

E não tem igual em resistência contra aquilo que é duro.

Não pode ser alterado por nada.

Aquilo que é fraco conquista aquilo que é forte; aquilo que é macio conquista aquilo que é duro.

O mundo inteiro sabe disto,

Mas ninguém pode agir desta maneira.

Ao guiar a humanidade, no serviço aos Céus,

não há nada melhor que a limitação.

Pois somente a limitação leva a submissão prematura.

Através da submissão prematura, grandes reservas de potencial

podem ser acumulados,

por adquirir grande reservas de potencial, o homem é equilibrado em cada situação.

Se um homem é equilibrado em cada situação, ele não conhece limites.

Se ninguém conhece nossos limites, nós podemos tomar conta do império.

Aquele que controla as forças produtivas do império pode perseverar.

Isto é uma raiz profunda e uma fundação sólida,

A lei natural da eterna existência e contemplação infinita”

(Unschuld, 1985:101)

O pensamento taoista utilizou dentro do seu desenvolvimento a escola do Yin-Yang, que  foi uma “pedra angular” dentro da medicina de correspondência sistemática. No Tao Te Ching capitulo 42 o sábio Lao Tzu coloca:

“ O Caminho produz um;

um produz dois,

dois produzem três,

três produzem todos os seres:

todos os seres carregam o Yin e abraçam o Yang,

fundindo energias para a harmonia…” (Lao Tzu, em Clearly, 1991: 53)

Esta busca de harmonia com as leis da natureza foi uma constante em todas as diferentes escolas de pensamento que surgiram a partir de Lao Tzu e que tiveram uma influencia importante no Huang Ti Nei Ching ( o livro classico de medicina interna do Imperador Amarelo). Kristofer Schipper afirma:

“ Em direção ao inicio do primeiro império (221AC), esta visão cosmológica  do Tao estava associada com o “Caminho do Imperdor Amarelo e dos Velhos Mestres” ( Huang-lao Chi Tao).Esta escola parece ter sido uma religião misteriosa com um vasto seguimento que inspirou muitos pensadores.

Durante a dinastia Han (206 A C a 221 D C ) as tumbas continham objetos relacionados com a busca da imortalidade; as mortalhas eram decoradas com imagens representando o vôo do corpo em direção as terras da bem-aventurança. Contratos inscritos nos vasos funerários garantiam uma casa no próximo mundo. Os textos destes contratos carregavam com eles uma simbologia, isto é, uma inscrição feita com sinais proféticos. Isto correspondia a um passaporte, o qual identificava o iniciado aos portões do paraíso. Estes símbolos eram chamados de fu, uma palavra que o significado etimológico é semelhante a palavra grega tessera. Em adição as tumbas continham objetos relacionados a pesquisa alquímica, também conhecida através dos textos. Ao transformar o cinabre (sulfeto de mercúrio) em mercúrio, a alquimia chinesa buscava reproduzir a alternação cíclica do Yin-Yang e integrar o adepto dentro deste modelo cosmológico. As riquezas da alquimia variaram dentro do desenvolvimento da historia do taoísmo, mas a teoria de transmutar o cinabre tornou-se uma parte fundamental do discurso taoista. A mesma situação prevaleceu na ciência médica. Nem todos os médicos eram Taoistas, mas a busca pela imortalidade certamente influenciou a pesquisa médica e contribuiu para sua sistematização teórica como encontrada no clássico “Questões Simples do Imperador Amarelo ( Huang Ti Nei Ching Su Wen), o manual mais antigo que chegou a nós.” (Schipper, 1993; 8)

Esta busca pela longevidade e mesmo pela imortalidade foi comum as escolas taoistas durante estes 25 séculos de história dos “Mestres do Tao”. Anton Kielce afirma:

“…O fim visado era adquirir poderes sobrenaturais a fim de prolongar, por mais

tempo possível a vida na terrestre. Cada escola, e mesmo cada seita, desen-

volveu, com este propósito, métodos próprios, fórmulas, exercícios, elixires

e pílulas, cuja confecção era secreta e pessoal. Pode-se portanto agrupar estes

métodos em quatro grandes categorias:

 

  1. absorção de pílulas preparadas pela alquimia;
  2. jejum e drogas;
  3. o comando da respiração;
  4. exercícios de controle da energia e união sexual.” (Kielce, 1986:47)

 

Estas praticas taoistas foram importantes no desenvolvimento de técnicas antigas chamadas “Dao In” e que foram incorporadas pela Medicina Chinesa com o nome de “Qi Gong” ou em mandarim “trabalho com o Qi”. Chuang Tzu é considerado, após Lao Tzu, o mais importante “Mestre do Tao”. Segundo o Shi Chi, ou Registros do Historiador, do século II A C,  escrito por Ssu Ma Ch`ien:

“… seu nome pessoal era Chou, nascera em um lugar chamado Meng e servira como funcionário no jardim de Laca. Vivera no tempo do Rei Hui ( 370 a 319 A C ) de Liang e do Rei Hsuan ( 319 a 301 A C) de Ch`i, e que escrevera uma obra de mil palavras ou mais…” (Ssu-ma Ch’ien, em Watson, 1987: 11)

 

Pelos escritos de Chuang Tzu, do século IV A C, podemos constatar que a teoria do Yin-Yang já era utilizada na Medicina Chinesa naquela época :

“ Mestre Ssu, Mestre Yu, Mestre Li e Mestre Lai estavam todos juntos conversando: “quem pode considerar a inação como a sua cabeça, a vida como suas costas e a morte como suas ondas? Diziam eles. Quem sabe que a vida e a morte a existência e a aniquilação, são todas um só corpo? Serei seu amigo!” Os quatro homens olharam uns para os outros e sorriram. Não havia discordância em seus corações e assim os quatro tornaram-se amigos. De repente, Mestre Yu caiu doente. Mestre Ssu foi perguntar como  Ele estava passando. “Espantoso!”disse mestre Yu. “O Criador está a me entortar todo! “minhas costas curvam-se para cima, como as de um corcunda, e meus órgãos vitais estão em cima de mim. Meu queixo esconde-se no umbigo, meus ombros erguem-se  acima da minha cabeça e minha trança aponta para o céu. Deve ser algum deslocamento do Yin e do Yang.”( Chung Tzu, em Watson, 1987: 83)

Porem apesar de observarmos neste parágrafo, dos escritos de Chuang Tzu a utilização do conceito do Yin e do Yang aplicado a medicina de correspondência sistemática, em nenhum momento dos trabalhos de Lao Tzu e Chuang Tzu a acupuntura é citada. Não temos atualmente nenhuma literatura chinesa anterior ao século II A C que tenha referencias a acupuntura dentro dos conceitos da medicina de correspondência sistemática.  Em outras palavras quando e como surgiu a acupuntura na China antiga? Nós iremos analisar  detalhadamente, esta questão mais a frente nesta monografia.

No livro mais antigo da medicina de correspondência sistemática, o Huang Ti Nei Ching Su Wen, ou o Classico de Medicina Interna do Imperador Amarelo, podemos,já no seu primeiro capitulo, constatar a importante influencia da filosofia taoista no desenvolvi- mento da Medicina Chinesa:

“ Em um passado distante viveu o Imperador Amarelo. Quando ele nasceu o seu espírito ( já estava caracterizado por uma) força mágica toda saturada. Quando, ainda, uma criança ele já podia falar. Em sua juventude ele demonstrou uma capacidade perceptiva aguçada. Quando ele amadureceu o seu caráter era marcado por uma profunda seriedade. Quando alcançou a idade adulta ele ascendeu aos céus. Ele colocou as seguintes questões para o Mestre Celestial e falou; “Eu ouvi que  os homens do nosso passado antigo experimentavam primavera e verão por cem anos com nenhum decréscimo em suas habilidades de mover-se e agir. Hoje em dia,entretanto, é de tal maneira que o homem deve limitar os seus movimentos e ações após apenas metade de um século. Os tempos têm mudado ou os homens têm perdido esta longevidade?”

Para isto Ch`I Po respondeu: Os homens da antiguidade entendiam o Tao  Eles por tanto se esforçavam para adaptar sua existência as regras do Yin-Yang  (dualidade) e viver em harmonia com os cálculos numéricos. Moderação determinava o consumo de alimentos e bebidas; eles acordavam e dormiam de acordo com uma ordem consistente. Ninguem consumia a sua força através de um comportamento inadequado. O homem da antiguidade preservava a sua mente e o seu corpo com todos os seus poderes e alcançava a completa extensão de sua vida de acordo com a natureza. A morte acontecia somente apos os cem anos. Os homens de hoje são totalmente diferentes. Eles preparam a sua sopa com vinho e a conduta inadequada tornou-se a regra.Eles intoxicam a si mesmo com o intercurso sexual e para satisfazer seus apetites carnais eles consomem a essência de sua existência. Através do uso descuidado eles esgotam as originais influencias inatas do homem. Eles são ignorantes de como carregar um vaso cheio sem derramar o conteúdo e não fornecem ao espírito o cuidado apropriado no tempo certo. Eles esforçam-se por levar prazer ao coração, porem eles conduzem a sua vida de forma contrária aos objetivos da verdadeira felicidade. Quando os homens de hoje acordam ou vão dormir não é de acordo com um plano consistente. Devido a isto eles devem restringir os seus movimentos e ações a somente metade de um século.” ( Wang Bing, em Uhschuld, 1985: 277)

 Neste primeiro capitulo do Huang Ti Nei Ching nós observamos a influencia taoista no texto, pois os taoista pregam a moderação e acreditam na depleção da essência do homem através do excesso de atividade sexual como está descrito nesta parte do texto. Mas não apenas o pensamento taoista influenciou este clássico mas também a escola de Confúcio. Na verdade este texto teve a influencia das diversas escolas da filosofia chinesa e é um compendio heterogêneo de diversos sistemas do pensamento Chinês.

Prof. Dr. Aderson Moreira da Rocha

Médico de família, reumatologista, especialista em acupuntura pela Associação Médica Brasileira e especialista em Ayurveda pelo Arya Vaidya Pharmacy e Associação Brasileira de Ayurveda. Mestre e doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ e presidente da Associação Brasileira de Ayurveda.

O BUDISMO: O TERCEIRO PILAR DO PENSAMENTO CHINES

A filosofia budista é o terceiro pilar do pensamento chinês, junto com o Taoismo e Confucionismo, que nasceu no século VI ou V AC na Índia com um homem conhecido como Siddharta Gautama. O Prof. Dr. Ricardo Gonçalves, do Departamento de Historia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo resume a vida de Buda:

 

“ Siddharta Gautama nasceu em data ignorada, provavelmente em meados do século VI A C, em Kapilavastu, no sopé do Himalaia, em território do atual Nepal. Era filho de Sudhodhana, nobre pertencente a assembléia que governava a pequena tribo dos saquias, tributária do vizinho reino de Kosala. Ele deveria herdar o cargo paterno, mas, ao completar 29 anos preocupado com problema do sofrimento humano e desejoso de encontrar um método para subjulgá-lo, abandonou a vida mundana e se tornou discípulo dos ascetas Alara Kalama e Uddaka Ramaputta, exercitando-se nas práticas das iogas preconizadas por estes mestres. Entretanto, tais práticas não o satisfizeram. Deixou então os mestres e praticou mortificações por seis anos. Ao cabo deste tempo foi levado a concluir que todos estes exercícios eram inúteis e imaginou então um novo método, passando a praticar meditação a sombra de uma arvore em Buddhagaya.Graças a esta meditação, logrou resolver todas as duvidas, realizando a experiência de iluminação ou satori, que consiste em obter o conhecimento correto de si mesmo e de todas as coisas. Procurando transmitir sua vivencia a outros, conseguiu reunir grande numero de simpatizantes e discípulos, antes de morrer com 80 anos.”(Gonçalves, 1992: 12)

 

Após a iluminação o Buda, o desperto ou iluminado, passou a pregar as “Quatro Nobres Verdades”. As eternas “Verdades” que são as concepções  centrais de seus ensinamentos:

 

“I -A Verdade de que toda a vida sensível envolve sofrimento.

II-A Verdade de que a causa dos repetidos renascimentos e sofrimentos

é a ignorância, associado ao desejo.

III-A Verdade que este processo de nascimento, morte e sofrimento pode

ser levado para um fim somente com a obtenção do Nirvana.

IV-A Verdade de que o Nirvana pode ser alcançado seguindo-se com per-

feição o Nobre Caminho Óctuplo que abrange Sila, Samadhi e Panna,

Isto é moralidade, meditação e compreensão intuitiva.

 

A Quarta Nobre Verdade do Budismo é conhecida como Caminho Óctuplo, que se compõe do seguinte:

 

  1. Palavra Correta
  2. Ação correta
  3. Meio de Vida Correto
  4. Esforço (mental) Correto
  5. Atenção Correta
  6. Concentração Correta
  7. Pensamento Correto
  8. Compreensão Correta” (Silva, 1978: 12)

 

O pensamento de Buda foi bem acolhido na China durante a dinastia Han e influenciou as escolas de filosofia chinesa. Associado a filosofia de Buda chegou a China  antiga a medicina budista, que segundo a tradição teve como pioneiro o próprio medico de Buda:  Dr. Jivaka no século V A C. O professor Ricardo Gonçalves coloca:

O Budismo foi pregado pela primeira vez na China nas primeiras décadas do seculo I da era cristã, durante a Segunda Dinastia de Han. Cerca de dois séculos antes os chineses, tinham começado a controlar as rotas de comércio da Ásia Central, conhecida como Caminho da Seda. Foi por este caminho e pelas rotas de comércio marítimo que o Budismo entrou na China, trazido por monges e mercadores oriundos da Índia e de reinos da Ásia central convertidos a lei de Buda. Pelas mesmas rotas, entraram na China os textos Budistas indianos, que foram traduzidos para o chinês por uma brilhante plêiade de monges tradutores, indianos, iranianos e mesmo chineses, que faziam longas peregrinações a Índia em busca de textos para traduzir.”  ( Gonçalves, 1992: 23)

 

A medicina budista afirma que existem quatro elementos que compõem o corpo humano. O Ratnakuta, traduzido para o chinês no segundo século da era cristã, afirma:

 

“1- A terra abrange tudo que é sólido no corpo humano…

2- A água abrange tudo que é liquido no corpo humano…

3- O fogo abrange tudo que é quente no corpo humano…

4- O vento abrange tudo que é movimento no corpo humano”

(Unschuld,1985:141)

 

A doença surge quando um ou mais destes quatro elementos aumenta ou diminui excessivamente. Esta afirmação da medicina budista é idêntica a do Ayurveda, a clássica medicina Indiana, com a diferença que no Ayurveda existe um quinto elemento que é o espaço ou éter.

A estrutura filosófica da medicina budista sofreu nas mãos dos tradutores chineses. houve interpretações equivocadas e muito pouco da literatura encontrou identificação no acervo cultural chinês.O prof. Paul Unschuld coloca que há tantas obras chinesas que ainda não foram examinadas que não será surpresa se ainda ocorrer uma influencia budista.

Hua to e Sun Si-miao ( 581 a 682D C) são citados como exemplos da influencia budista na Medicina Chinesa. Porem os esforços de Sun Si-miao em organizar a doutrina budista dos quatro elementos nas mesmas bases do paradigma do Qi, não foram suficientes para obter seguidores, talvez pelos erros matemáticos contidos na sua explicação. A falta de evolução e de seguidores nas técnicas de anestesia e cirurgia de Hua To ficaram sem explicação histórica. Uma possibilidade é que como sua história é muito semelhante a do médico indiano Jivaka, considerado o médico do próprio Buda, que Hua To seja uma fábula importada da Índia junto com o Budismo.

 

Prof. Dr. Aderson Moreira da Rocha

Médico de família, reumatologista, especialista em acupuntura pela Associação Médica Brasileira e especialista em Ayurveda pelo Arya Vaidya Pharmacy e Associação Brasileira de Ayurveda. Mestre e doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ e presidente da Associação Brasileira de Ayurveda.

O CONFUCIONISMO

Durante a dinastia Zhou, no século VI a. C, surgiu na China a primeira das 3 escolas clássicas do pensamento chinês, a saber: confucionismo, taoísmo e budismo. O fundador do confucionismo, Gong Qiu, viveu de 551 a 479  A.C., ficou conhecido no ocidente pela latinização de seu nome: Confúcio. Conta a lenda que nascido em uma castas de nobres pertencentes a uma classe inferior ascendeu de posição e se tornou o primeiro ministro. Porém ficou decepcionado com a depravação do soberano e desistiu de sua posição para vagar na companhia de seus discípulos buscando um lugar que pudesse aplicar sua filosofia.

     Segundo Confúcio, a força Te, que em eras antigas relacionava-se com influencias mágicas, agora emanava da conduta moral impecável baseada na virtude humana, piedade e justiça do homem superior. O homem superior não estava mais determinado automaticamente pelo nascimento, mas pela aquisição de certas qualidades. Confúcio acreditava na habilidade inata do homem de aprender e achava necessário que o príncipe deveria ser a pessoa que melhor incorporava a virtude. Uma das mais importantes afirmações da filosofia de Confúcio, que relaciona-se diretamente com a Medicina Chinesa de correspondências sistemáticas ( teoria do yin-yang e 5 fases),  era que o excesso em qualquer área quebra a ordem social e deve portanto ser evitado.

O trabalho de Hsun Tzu ( 238  a. C.), seguidor de Confúcio,  merece especial atenção, pois revela claramente a relação entre o confucionismo e a Medicina Chinesa de correspondência sistemática, que posteriormente formularia a teoria do yin-yang e das 5 fases, foram descritas pela primeira vez no Huang Ti Nei Ching ( o livro clássico da medicina interna do Imperador Amarelo) no século II   a.C.. Hsun Tzu afirma:

“O verdadeiro governante começa a colocar o seu estado em ordem quando a ordem ainda prevalece; ele não espera que as insurreições já tenham eclodido.” ( Hsun Tzu em Unschuld, 1985: p.63)

 

No livro clássico de medicina interna do Imperador Amarelo ( Huang Ti Nei Ching ) existe uma passagem muito semelhante a esta afirmação de Huan Tzu, demonstrando a importancia da filosofia de Confúcio no desenvolvimento do pensamento médico chinês:

“ Os sábios não tratam aqueles que já caíram doentes, mas aqueles que não estão doentes. Eles não colocam o seu estado em ordem apenas quando a revolta esta em desenvolvimento mas antes de ocorrer a insurreição. (Huang-Ti Nei Ching Su Wen, em Unschuld, 1985: p 63)

          O sábio Hsun Tzu ensinava que cada ser humano pode elevar-se a um grande estado de moralidade através do estudo dos livros clássicos e levando os costumes seriamente. Nos seus escritos afirmava:

“Se a pessoa utiliza seu corpo e sua natureza , seu discernimento, entendimento e deliberação com o senso apurado, da maneira como o costume recomenda, seguir-se-ão a ordem e o sucesso, caso contrario, o resultado é a imprecisão e a sublevação, ociosidade e indisciplina. Se o consumo de comida ou bebidas, o vestuário, os alojamentos dentro e fora de casa, assim como o movimento e o descanso são cumpridos de maneira como o costume recomenda, atingir-se-á harmonia e ordem; caso contrario para o que não cumpre este estará sujeito ao ataque e a traição, e a doença ocorrerá.”  ( Hsun Tzu em Birch e Felt, 2002: p. 11)

Apesar dos ensinamentos de Confúcio serem eminentemente práticos a realização deles por uma pessoa comum não é nada fácil. Como disse certa vez o próprio Confúcio:

 

“Eu nunca vi alguém que realmente amava a humanidade ou alguém que odiava a desumanidade. Alguém que realmente ama a humanidade não colocará nada acima disto, alguém que realmente odeia a desumanidade irá praticar a humanidade de tal maneira que a desumanidade não terá chance de alcançá-lo. Existe alguém que consagrou sua força a humanidade durante apenas um dia? Eu não encontrei ninguém com a suficiente força para fazer isto. Talvez exista esta pessoa mas eu não a vi.”(Shu Hsien Liu, em Bishop ed., 1995:p. 21)

O processo educacional que Confúcio experimentou durante a sua vida é extremamente interessante. Nas palavras de Confúcio:

“Aos 15 anos minha mente estava firme no aprendizado. Aos 30 anos o meu caráter estava formado. Aos 40 eu não tinha mais perplexidades. Aos 50 eu sabia o “Mandato dos Céus”(Tien Ming). Aos 60 eu estava confortável com tudo que eu ouvia e aos 70 eu podia seguir os desejos do meu coração sem transgredir ao princípios morais” ( Shu Hsien Liu, em Bishop ed., 1995: 22)

A filosofia confucionista teve uma grande influencia no pensamento da Medicina  Chinesa. Pois o conceito do homem superior, desenvolvido por Confúcio, veio trazer um ideal de ser humano que foi utilizado a partir de então na antiga tradição médica da China. Podemos encontrar as raízes do desenvolvimento da medicina chinesa de correspondência- sistemática, baseada na teoria do yin-yang e das 5 fases, nos escritos de Confúcio:

“Um erudito determinado e um homem de humanidade nunca irá procurar viver as custas do prejuízo da humanidade. Ele poderia sacrificar a sua vida a fim de realizar  a humanidade.” (Shu Hsien Liu, em Bishop ed, 1995:p.  22)

 

A partir do século V A.C. a escola confucionista foi a filosofia que veio transformar todo o pensamento chinês que antes era baseado na escola Shamanista ou mágico-demo-

nologica. Nas palavras do próprio Confúcio:

“Devote a si mesmo, zelosamente, as obrigações com os homens, e respeite os seres espirituais mas mantenha-os a distancia. Isto pode ser chamado de sabedoria.”(Shu Hsien Liu, em Bishop ed , 1995: 23)

No seu trabalho “ A History of Chinese Philosophy” Fung Yu Lan coloca:

“Eu, portanto, afirmaria que:

 

  1. Confúcio foi o primeiro homem na China a fazer do magistério sua profissão, então popularizou a cultura e a educação. Foi ele que abriu o caminho para os muitos eruditos e filósofos viajantes dos séculos seguintes. Foi, também, ele que inaugurou, ou ao menos desenvolveu, esta classe de cavalheiros na China antiga que não eram fazendeiros, artesãos, comerciantes nem funcionários públicos, mas eram professores profissionais e potencialmente funcionários públicos.
  2. As atividades de Confúcio, eram semelhantes, em muitas maneiras aquelas dos  Sofistas Gregos.
  3. As atividades de Confúcio e sua influencia na história chinesa foram semelhantes àquela de Sócrates no ocidente.” (Fung Yu Lan, 1994: 48 e 49)

 

No livro “ Entendendo a Acupuntura” dos pesquisadores Birch e Felt encontra-se a seguinte colocação:

“De certa forma podemos afirmar que o confucionismo restabeleceu a antiga ordem moral em que se supunha que um soberano e seus ministros tinham a competência em garantir o bem estar de todos, usando seu elo com o sobrenatural. No entanto, em vez de atribuir essa competência ao contato exclusivo com as divindades, Confúcio atribuía a conduta moral imparcial”. (Birch e Felt, 2002: 11)

     A transformação dos hábitos comportamentais e das instituições sociais decorrente da absorção de novos pontos de vista é outra característica da China que se repete por toda a sua história. Portanto foi natural que o elo  do pensamento da escola confucionista entre o comportamento humano e os resultados sociais se expressasse paralelamente no desenvolvimento da medicina e que a linguagem medica adquirisse a conotação dos conceitos antigos pois os ideogramas haviam sido feitos em função destes conceitos.

A teoria da medicina de correspondência sistemática afirma que as direções e tendências da vida estão sujeitas a intervenção humana inteligente e ou comportamento individual adequado. Aqueles que acreditavam, na China antiga, que a doença seja desagrado de um agente sobrenatural normalmente não buscavam a causa da enfermidade no seu comportamento ou nos fenômenos chamados naturais.  A mudança de paradigma de uma medicina mágico-demonológica baseada em fenômenos sobrenaturais para a medicina de correspondência sistemática com raízes na observação dos fenômenos naturais teve como pedra angular a filosofia de Confúcio pois esta enfatizava a moderação no comer,, beber,  dormir e  afirmava de que a doença entra pela boca. Certa vez o filósofo fez a seguinte afirmação:

“ Um Homem sem persistência não será nem um adivinho nem um médico”  (Fu Yu Lan, 1994:p. 65)

Podemos observar neste momento histórico, século V A.C., uma importante transformação no conceito de doença/cura, pois aquilo que antes era tratado pelas oferendas aos ancestrais ou por rituais e exorcismos através de fenômenos sobrenaturais passou a ser  abordado pela mudança de comportamento com um tom moral muito particular devido a influencia do confucionismo. As mudanças neste período histórico levaram os autores Birch e Felt a afirmarem:

“O período final da dinastia Zhou é conhecido como a época dos “Estados Combatentes”, ( 480 a 221 A C) foi quando houve a dissolução final do feudalismo chinês através de disputas sangrentas entre os grandes e pequenos principados. Neste grande conflito armado todos os traços do “cavalheirismo feudal” foram esquecidos já que a regra era guerrear até o fim. Os reis perderam a sua importância e haviam se tornado mais uma peça a ser removida. Neste período a filosofia era que os camponeses deveriam se dedicar ao cultivo da agricultura e a fazer uso das armas. Apesar desta ser uma das épocas mais violentas da historia da China, houve no final deste período a consolidação de um império na China através do monarca Qin que abriu caminho para a cultura chinesa alcançar um dos seus períodos de maior desenvolvimento”. ( Birch e Felt, 2002 :12 )

Nesta lista abaixo, Unchuld, coloca os principais paradigmas e sub-paradigmas do desenvolvimento histórico da Medicina Chinesa.

1-  O paradigma da relação de causa e efeito entre fenômenos correspondentes.

1.1 Causação através da correspondência mágica

1.1.1. Mágica Homeopática

1.1.2    Mágica por contato

1.2 Causação através da Correspondência Sistemática

1.2.1    Correspondência do Yin/Yang

1.2.2    Correspondência das 5 fases

 

  1.  O paradigma da relação de causa e efeito entre fenômenos não correspondentes.

2.1 Causação através da intervenção de fenômenos supranaturais

2.1.1 Ancestrais

2.1.2 Espiritos e demônios

2.1.3 Deuses

2.1.4 Leis transcendentais

2.2 Causação através de influencia de fenômenos naturais

2.2.1 Alimentos e bebidas

2.2.2 Ar e vento

2.2.3 Neve e umidade

2.2.4 Calor e frio

2.2.5 Influencias materiais sutis

2.2.6 Parasitas, vírus, bactérias e outros.( Unschuld, 1985:p. 7)

Na verdade o objeto de estudo desta pesquisa neste momento é a mudança de paradigmas que se iniciou na Medicina Chinesa no final da dinastia Zhou, no chamado “Estados Combatentes” ( 480 a 221 A .C.)e nas dinastias subseqüentes. A Partir do século V A.C. surge uma escola dentro da Medicina Chinesa que propõe uma explicação diferente para o processo saúde/doença, que estava baseado em fenômenos sobrenaturais da medicina mágico-demonológica: Esta escola revolucionária foi a medicina de correspondência sistemática que busca nos fenômenos naturais a explicação para o adoecimento humano.

 

      No seu livro Fundamentos da Medicina Chinesa, Giovanni Maciocia, afirma:

“A escola filosófica que desenvolveu a teoria do Yin e Yang ao seu mais alto nível é chamada de Escola Yin-yang. Muitas escolas de pensamento surgiram durante o período de guerra entre os estados ( 476 a 221  A C.) e a escola Yin-Yang foi uma delas. Dedicava-se ao estudo do Yin-Yang e dos Cinco Elementos e seu principal expoente foi Zou Yan ( 350 a 270 A C.). Esta escola é chamada algumas vezes de Escola Naturalista uma vez que interpreta a natureza de modo positivo, além de utilizar leis naturais a fim de obter vantagens para o homem, não por meio da submissão e controle da mesma ( como acontece na ciência ocidental moderna), mas agindo em harmonia com as suas leis. Esta  escola representa uma tendência a qual podemos atualmente chamar de ciência naturalista, e as teorias do Yin-Yang e dos Cinco Elementos servem para interpretar o fenômeno natural, incluindo o organismo humano, tanto na saúde como nas patologias”.(Maciocia, 1996:p. 2)

 

     O paradigma de correspondências pode ser aplicado tanto para a correspondência mágica como para a correspondência sistemática. Aquele  que melhor explicou isto foi o famoso sinólogo alemão Paul Unschuld:

O paradigma de correspondências combina dois conjuntos de conceitos pelos quais as relações conceituais próximas justificam a designação comum. Estes são os conceitos da correspondência mágica e os conceitos da correspondência sistemática. Ambos são baseados no mesmo principio, nominalmente que o fenômeno do mundo visível e invisível permanecem em dependência mútua através da sua associação com certas linhas de correspondência. O paradigma de correspondência afirma que a manipulação de um elemento em uma linha especifica de correspondência pode influenciar outros elementos da mesma linha. As linhas de correspondência mágica são usualmente separadas umas das outras e não podem exercer influencia sistemática mútua. Na ciência de correspondência sistemática, entretanto, os conceitos mágicos foram refinados e combinados com os elementos da doutrina do Yin-Yang e com a teoria das Cinco Fases e todas as linhas de correspondências foram integradas em um sistema detalhado de correspondência mutua.” (Unschuld, 1985: 52)

 

No  final da dinastia Zhou haviam 2 tendencias que dominavam o  pensamento mëdico da época : a correspondência mágica e a correspondência sistemática. Dentro da correspondência mágica podemos apontar 2 linhas distintas:

 

  1. A mágica de contato: onde o contato ou a união precedente entre 2 elementos , cria uma relação na qual a manipulação de um dos elementos, que estão agora separados, produz um efeito visível sobre o outro.
  2. A mágica homeopática: está baseada no principio que semelhantes correspondem ou influenciam semelhantes. Acredita-se aqui que o prejuízo ou lesões feitas sobre a imagem de uma pessoa pode resultar em danos verdadeiros nesta pessoa. Dentro desta tendência alimentar-se de nozes, por exemplo, é benéfico ao cérebro pois as nozes têm uma forma semelhante ao cérebro.

     No Livro denominado “Clássico das Montanhas e dos Mares” ( Shan-hai Ching), que foi compilado entre o século VIII e I a. C. demonstra como pode-se transportar os conceitos da mágica homeopática para os processos fisiológicos

“Existe uma planta lá … que não produz frutos. É chamada Ku Jung. Aqueles que a consumirem não terão filhos. Existe um animal lá que a aparência lembra a do gato selvagem… Ele combina ambos os sexos: masculino feminino. Aquele que o consumir  não terá ciúmes.”(Unschuld, 1985: p. 53)

A mudança de paradigma de uma medicina mágico-demonológica para um sistema baseado em uma correspondência sistemática como as teorias das 5 Fases ou Elementos,

Wu Xing em mandarim, e do Yin-Yang não está bem esclarecida pois faltam documentos suficientes, nas antigas fontes chinesas, para permitir uma identificação fidedigna desta transformação. Paul Unschuld coloca a possibilidade de uma influencia originária de algum lugar ao ocidente da China. As idéias podem ser transmitidas e assimiladas mas muitas vezes transformadas e adaptadas pela nova cultura e língua daquela região que recebeu o novo pensamento.

 

“ A possibilidade de um estimulo estrangeiro não pode ser excluída. É comumente aceito que o desenvolvimento da filosofia grega, isto é, o passo do “mythos” para  “logo” originou-se de influencias antigas de algum outro centro cultural a leste. Os filósofos gregos pegaram aquilo que eles aprenderam de fora, desenvolveram e deram a isto uma aparência grega. Eles não se envergonharam de terem assimilados  pensamentos externos; pelo contrário, eles se orgulharam de terem refinado aquilo que foi trazido a eles em um estado rudimentar. Cerca de 2 séculos mais tarde , um desenvolvimento similar ocorreu na China e as doutrinas conceitualizadas pelos filósofos chineses eram tão inovadoras na historia intelectual chinesa quanto as idéias de Anaximander, Empédocles e Demócrito foram na Grécia. Um impulso filosófico pode ter surgido de uma fonte desconhecida em algum lugar entre a Grécia e a China, carregado pela sua força revolucionária, nunca embora tenha preenchido, o vazio prévio, na sua forma original mas para ser sempre moldada e para ser adaptada as condições locais, correspondendo ao desenvolvimento intelectual local.” (Unschuld, 1985: 54 e 55)

 

Jagadis Chandra Bose, cientista indiano, educado em Cambridge no inicio do século XX declarou durante a inauguração do Instituto Bose, centro de pesquisas em Calcutá:

 

“Alem disto, desejo que as oportunidades oferecidas por este Instituto sejam postas ao alcance, tanto quanto possível, de pesquisadores de todos os países. Quanto a isto esforço-me para levar avante as tradições de meu país. Há vinte e cinco séculos atrás a Índia acolhia, em suas antigas Universidades de Nalanda e Taxila, estudiosos de todas as partes do mundo.” (Bose, em Yogananda, 1981:p. 76)

 

Asha Dhar, M.A., em Indian Review, Madras, citado em Self-Realization Magazine, setembro de 1953 afirma:

 

“ A cidade universitária de Taxila era o centro predileto de especialização procurado pelos estudiosos gregos da antiguidade. Muitos gregos passaram a morar na Índia e adotaram o hinduismo e o budismo. A doutrina da reencarnação de Pitágoras tem indubitavelmente origem hindu. Diz-se que Platão, grande admirador da escola pitagórica, em viagem aos países asiáticos, visitou a Pérsia e demorou-se na Índia; seu pensamento reflete a filosofia Shankya; sua tese “A Republica” reafirma idéias hindus; sua divisão da sociedade em corporações nada mais é que o sistema de castas hindu. Max Muller sustentou a surpreendente semelhança entre a linguagem de Platão e a dos Upanishads. Platino revela grande influencia do pensamento Shankya e da concepção budista do nirvana. As fábulas de Esopo são a versão grega das estórias do Panchatantra, a mais velha coleção de fabulas e contos folclóricos da India, levada a terras distantes por marinheiros e mercadores. As Mil e uma Noites e Sinbad, o marujo são versões árabes das estórias maravilhosas hindus. No ano 60 da era cristã, estudiosos chineses iam aprender na famosa Universidade Nalanda, em Bengala, alem de medicina, ciência farmacêutica e astronomia, tambem pintura musica e artesanato.”(Dhar, em Yogananda, 1981:p. 76)

Podemos colocar a hipótese que Dhar e Bose estejam lançando uma luz na afirmação de  Unschuld de que possivelmente uma influencia externa tenha sido a mola propulsora no desenvolvimento do pensamento chinês que levou a formulação da medicina de correspondência sistemática  .” O impulso filosófico que pode ter surgido de uma fonte desconhecida entre a Grécia e a China” segundo Unschuld, seria possivelmente o sul da Ásia ou mais precisamente o sub-continente indiano. Onde existia uma civilização, mais antiga que a chinesa, que teve importante influencia no pensamento filosófico asiático através do hinduísmo e seu filho o budismo.

 

Prof. Dr. Aderson Moreira da Rocha

Médico de família, reumatologista, especialista em acupuntura pela Associação Médica Brasileira e especialista em Ayurveda pelo Arya Vaidya Pharmacy e Associação Brasileira de Ayurveda. Mestre e doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ e presidente da Associação Brasileira de Ayurveda.