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Fitoterapia Chinesa

A Medicina Interna Chinesa utiliza medicamentos de origem mineral, animal e vegetal. Na fitoterapia apenas estes últimos são utilizados, ou seja, os remédios são a base de plantas medicinais. Esta abordagem de tratamento vem sendo utilizada na China há muitas centenas de anos de forma ininterrupta. Modernamente muitas pesquisas com fitoterapia vem sendo desenvolvidas na China demonstrando sua eficácia terapêutica associada a baixa frequência de efeitos colaterais.

Na fitoterapia chinesa encontramos 2 teorias fundamentais; os sabores e a natureza das ervas medicinais:

1 – Os 5 sabores: Estes se relacionam com o tipo de ação nos órgãos internos e com os 5 Movimentos:

A – Acido: ação harmonizante e de transformação, relaciona-se ao Movimento Madeira e ao órgão fígado.

B – Amargo: ação reagrupante com tendência centrípeta, relaciona-se ao Movimento Fogo e órgão coração

C – Adocicado: ação tonificante e suavizante, relaciona-se ao Movimento Terra e órgão baço.

D – Picante: ação dispersante, relaciona-se ao Movimento Metal e órgão pulmão.

E – Salgado: ação mobilizante e tendência ascendente, relaciona-se ao Movimento Agua e órgão rim

2 – As 5 Naturezas energéticas:

A- Ervas frias: são de natureza muito Yin com ação fortemente refrigerante

B – Ervas refrescantes: são de natureza moderadamente Yin e pouco refrescantes

C – Ervas neutras: são aquelas que apresentam equilíbrio entre o Yin e Yang.  Elas nem aquecem nem resfriam

D – Ervas quentes: são aquelas de natureza muito Yang com ação fortemente calorificante

E – Ervas amornantes: são aquelas moderadamente Yang e pouco calorificante

Na Medicina Oriental existe uma teoria que afirma “semelhante aumenta semelhante”. Logo nas síndromes de calor ou Yang utilizamos plantas frias e frescas, já nas síndromes de frio ou Yin utilizamos plantas quentes ou mornas

 

A eficácia do tratamento também depende do uso e indicação correta da parte do  vegetal:

  1. Raiz: absorve os nutrientes e água do meio, tem uma função tônica do baço e rins. Exemplo; a raiz de ginseng que é um tônico do Qi e baço
  2. Caule: serve para ascender a seiva e sustentar o vegetal. O caule simbolicamente relaciona-se com o fígado por suas funções ascendentes e carminativas. Exemplo: casca de canela com função amornante, estimula a circulação de Qi e Xue (energia e sangue)e ascendo o Qi do baço
  3. Folhas: tem função associada com a respiração do vegetal, por isto estão relacionadas ao pulmão. Exemplo: folhas de capim limão (Cymbopogum citratus) são usadas como sudorificas para retirar fator patogênico ( Xie Qi) do exterior e do pulmão
  4. Flores: abrem-se para o exterior do vegetal o que é um movimento de expansão  e a parte alta relaciona-se com o Yang e por analogia com o órgão coração. Exemplo: camomila que é uma planta que acalma o Shen (espirito) que relaciona-se ao órgão coração
  5. Fruto: é o involucro da semente que atua nutrindo-a. Apresenta movimento dscendente ao cair no solo. Por este motivo, semelhante a raiz, relaciona-se com o baço e o rim. Exemplo: tamara chinesa ( Ziziphus jujubae)  como tônico do baço e o Fructus Cornii ( Cornus officinalis) como tônico do rim
  6. Semente: contem energia ancestral e o potencial de germinação, crescer e ascender. Por isto simbolizam o rim e sua energia Yang. Exemplo:  semente de gergelim preto tonifica o Qi do rim

 

Abaixo colocamos uma classificação das plantas medicinais segundo sua ação:

1 – Ervas sudorificas que eliminam condições externas: são usadas por invasão  de energias perversas ( Xie Qi), como frio, calor e umidade

A – Ervas sudorificas amornantes: usadas para síndromes externas por frio, como exemplo podemos citar: gengibre fresco e folhas de canela

B –Ervas sudorificas refrescantes: utilizadas para síndromes de calor externo. Podemos citar como exemplo: a menta e a bardana

2 – Ervas que transformam a fleuma e aliviam tosse e falta de ar: a fleuma é o espessamento dos fluidos corporais com formação de mucosidades.

A – Ervas que transformam a fleuma-frio:  quando a mucosidade esta associada ao frio. Como exemplo citamos: mostarda branca e nabo selvagem

B – Ervas que transformam a fleuma-calor:  usadas quando há associação e mucosidades com quadro de calor. Podemos citar: raspa de caule de bambu e alga kombu

C – Ervas que aliviam a tosse e a falta de ar: no caso de mais tosse e falta de ar e menos mucosidades estas eravas são utilizadas. Citamos como exemplo: semente de damasco e folha de nespereira

3 – Ervas que eliminam calor: são purificadores do calor, ou seja, quadros onde há febre e sinais de aquecimento do corpo com vermelhidão.

A – Ervas que eliminam o calor interno: são plantas refrescantes, utilizadas nas síndromes de calor interno por excesso de Yang.  Como exemplo citamos jasmim-do-cabo ( Gardenia jasminoide ) e mata-pasto ( Cassia tora)

B – Ervas que tiram calor do sangue: são plantas com atividade refrescante que beneficiam o sangue ( Xue) e sua circulação. Como mo exemplo citamos  casca da raiz da paeonia arbórea (Paeonia suffruticosa)

C – Ervas que clareia calor e umidade:  são plantas que refrescam o calor mas também drenam umidade com uma ação diurética.. Como exemplo citamos a pulsatila chinesa ( Pulsatila chinensis)

D – Ervas que tiram calor e eliminam toxinas: são plantas refrescantes e anti-toxicas. As toxinas são substancias deletérias produzidas pela ação do calor. Como exemplo citamos o dente de leão ( Taraxacum officinale)

E- E Ervas que drenam o calor de verão: são plantas que tem indicação no caso de exposição ao calor de verão que pode ter relação com umidade. Como exemplo citamos a folha do lótus ( Nelumbu nucifera)

4 – Ervas anti-reumaticas que eliminam vento e umidade  (Xie Qi): São plantas que desbloqieam os canais. Como exemplo citamos a amoreira branca ( Morus alba)

5 – Ervas que aquecem o interior e expulsam o frio: são plantas indicadas nos quadros de frio interno ( Yin). Citamos o gengibre seco ( Zingiber officinale) e a casca da canela ( Cinnamomum cassia)

6 – Ervas que drenam umidade:  são plantas com ação diurética usadas no caso de edemas. Como exemplo temos o cabelo de milho ( Zea mays)

7 – Ervas aromáticas que transformam a umidade: estas plantas promovem a transformação do liquido acumulado que é reincorporado pelo corpo. Como exemplo temos o cardamomo ( Amomum cardamomum)

8 – Ervas que aliviam a estagnação alimentar: estas plantas atuam no sistema baço-pancreas- estomago promovendo o transporte e transformação dos alimentos. Como exemplo citamos a cevada germinada (Hordeum vulgare)

9 – Ervas que drenam por via baixa: são plantas que auxiliam na eliminação do “Qi Turbido”, ou seja, as fezes e urina. São de 3 tipos:

A – Laxativos suaves: são plantas que umedecem os intestinos  e indicadas nos casos de constipação por deficiência de Qi. Como exemplo temos a ameixeira japonesa ( Prunus japônica)

B – Ervas que purgam o calor: são plantas indicadas quando a constipação é por excesso com acumulo de calor e Qi túrbido nas vísceras. Como exemplo citamos a babosa (Aloe vera)

C – Purgativos fortes: são plantas usadas em casos graves de excesso com acumulo do fluido túrbido no corpo sob a forma de água patogenica. Citamos como exemplo a fitolaca ( Phytolaca aciosa)

10 – Ervas que promovem a circulação de Qi: são as plantas que fazem o Qi circular e aliviam estagnação nos canais. Citamos como exemplos a tiririca ( Cyperus rotundus) e a laranja da terra verde ( Citrus aurantium)

11 – Ervas que regulam o sangue ( Xue). Aqui temos dois grupos de plantas:

A – Ervas que promovem circulação do sangue ( Xue): são plantas que ativam o sangue e previnem estagnação. Citamos como exemplo o açafrão da terra (Curcuma longa) semente de pêssego (Prunus persicae)

B – Ervas hemoestatica: são plantas que param as hemorragias. Citamos os nódulos da raiz do lótus ( Nelumbo nucifera)

12 – Ervas aromáticas que abrem orifícios: são plantas que atuam transformando a fleuma que obstrui os orifícios da cabeça promovendo uma melhora na função do Shen (espirito). Citamos a canfora ( Cinamomum canfora) como exemplo

13 – Medicamentos tranquilizantes. Aqui temos 2 grupos de plantas:

A – Medicamentos que acalmam o Shen ( espirito):  são substancias ricas em sais minerais. Citamos a perola ( Pteria martensii)

B – Ervas que nutrem o coração e acalmam a mente: são plantas tônicas do sangue ( Xue) do coração e sedativas. Como exemplo citamos a valeriana ( Valeriana officinalis)

14 – Medicamentos anticonvulsivamntes:  são remédios de origem animal que são empregados para vento interno ( vento do fígado). Citamos o chifre de antílope ( Saiga tartárica) e o escorpião ( Buithus martensii)

15 – Ervas tônicas do Qi e Xue ( sangue). São  divididas em 2 grupos:

A – Ervas tônicas do Qi: são plantas que promovem a energia do corpo. Como exemplo citamos o alcaçuz (Glycyrriza glabra) e o ginseng ( Panax ginseng)

B – Ervas tônicas do Xue ( sangue): são plantas com qualidades nutridoras que reforçam o Xue ( sangue). Como exemplo citamos a peônia branca ( Paeonia albiflora) e o fruto da amoreira branca (Morus alba)

16 – Ervas tônicas do Yin e Yang. Divide-se em 2 grupos:

A – Ervas tônicas do Yin: são plantas nutridoras e refrescantes. Como exemplo citamos a raiz do aspargo chinês ( Asparagus cochinchinensis) e o selo de Salomao ( Polygonatum odoratum)

B – Ervas tônicas do Yang: são plantas tônicas e amornantes. Como exemplo citamos o feno grego ( Trigonella foenum graecum) e a semente de nogueira ( Juglans regia)

17 – Ervas adstringentes que previnem perdas:  as perdas são o excesso de saída de substancias vitais através da sudorese, diarreias, ejaculação no homem e corrimento na mulher. Citamos a noz moscada ( Myristica fragrans) e capsula do fruto da papoula ( Papaver somniferum)

18 – Ervas que expelem parasitas: são plantas com propriedades anti-helminticas. São utilizadas nas parasitoses. Citamos o alho ( Allium sativum), semente de abobora ( Curcubita pepo) e semente de cenoura selvagem ( Daucus carotae)

19 – Medicamentos para uso externo: são remédios antissépticos e cicatrizantes. Citamos o ninho de vespa ( Polistes mandarinus) e o enxofre ( Sulphur)

A Medicina Interna Chinesa é uma especialidade da Medicina Tradicional Chinesa e atualmente, na China, o profissional estuda pelo menos 5 anos em uma faculdade para se tornar um especialista nesta área. A Fitoterapia Chinesa, como já dissemos, é parte desta racionalidade médica oriental e o leitor que tiver interesse neste tratamento deve buscar um profissional que tenha conhecimento e experiência em plantas medicinais. A auto medicação deve ser evitada pois como todo medicamento as ervas tem indicações, contra-indicações, dose terapêutica e feitos adversos que foram descritos na literatura especializada.

 

Prof. Dr. Aderson Moreira da Rocha, medico de família, reumatologista, especialista em acupuntura pela Associação Médica Brasileira e especialista em Ayurveda pelo Arya Vaidya Pharmacy e Associação Brasileira de Ayurveda. Mestre e doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ e presidente da Associação Brasileira de Ayurveda.

Prof. Dr. Aderson Moreira da Rocha

Médico de família, reumatologista, especialista em acupuntura pela Associação Médica Brasileira e especialista em Ayurveda pelo Arya Vaidya Pharmacy e Associação Brasileira de Ayurveda. Mestre e doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ e presidente da Associação Brasileira de Ayurveda.

O BUDISMO: O TERCEIRO PILAR DO PENSAMENTO CHINES

A filosofia budista é o terceiro pilar do pensamento chinês, junto com o Taoismo e Confucionismo, que nasceu no século VI ou V AC na Índia com um homem conhecido como Siddharta Gautama. O Prof. Dr. Ricardo Gonçalves, do Departamento de Historia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo resume a vida de Buda:

 

“ Siddharta Gautama nasceu em data ignorada, provavelmente em meados do século VI A C, em Kapilavastu, no sopé do Himalaia, em território do atual Nepal. Era filho de Sudhodhana, nobre pertencente a assembléia que governava a pequena tribo dos saquias, tributária do vizinho reino de Kosala. Ele deveria herdar o cargo paterno, mas, ao completar 29 anos preocupado com problema do sofrimento humano e desejoso de encontrar um método para subjulgá-lo, abandonou a vida mundana e se tornou discípulo dos ascetas Alara Kalama e Uddaka Ramaputta, exercitando-se nas práticas das iogas preconizadas por estes mestres. Entretanto, tais práticas não o satisfizeram. Deixou então os mestres e praticou mortificações por seis anos. Ao cabo deste tempo foi levado a concluir que todos estes exercícios eram inúteis e imaginou então um novo método, passando a praticar meditação a sombra de uma arvore em Buddhagaya.Graças a esta meditação, logrou resolver todas as duvidas, realizando a experiência de iluminação ou satori, que consiste em obter o conhecimento correto de si mesmo e de todas as coisas. Procurando transmitir sua vivencia a outros, conseguiu reunir grande numero de simpatizantes e discípulos, antes de morrer com 80 anos.”(Gonçalves, 1992: 12)

 

Após a iluminação o Buda, o desperto ou iluminado, passou a pregar as “Quatro Nobres Verdades”. As eternas “Verdades” que são as concepções  centrais de seus ensinamentos:

 

“I -A Verdade de que toda a vida sensível envolve sofrimento.

II-A Verdade de que a causa dos repetidos renascimentos e sofrimentos

é a ignorância, associado ao desejo.

III-A Verdade que este processo de nascimento, morte e sofrimento pode

ser levado para um fim somente com a obtenção do Nirvana.

IV-A Verdade de que o Nirvana pode ser alcançado seguindo-se com per-

feição o Nobre Caminho Óctuplo que abrange Sila, Samadhi e Panna,

Isto é moralidade, meditação e compreensão intuitiva.

 

A Quarta Nobre Verdade do Budismo é conhecida como Caminho Óctuplo, que se compõe do seguinte:

 

  1. Palavra Correta
  2. Ação correta
  3. Meio de Vida Correto
  4. Esforço (mental) Correto
  5. Atenção Correta
  6. Concentração Correta
  7. Pensamento Correto
  8. Compreensão Correta” (Silva, 1978: 12)

 

O pensamento de Buda foi bem acolhido na China durante a dinastia Han e influenciou as escolas de filosofia chinesa. Associado a filosofia de Buda chegou a China  antiga a medicina budista, que segundo a tradição teve como pioneiro o próprio medico de Buda:  Dr. Jivaka no século V A C. O professor Ricardo Gonçalves coloca:

O Budismo foi pregado pela primeira vez na China nas primeiras décadas do seculo I da era cristã, durante a Segunda Dinastia de Han. Cerca de dois séculos antes os chineses, tinham começado a controlar as rotas de comércio da Ásia Central, conhecida como Caminho da Seda. Foi por este caminho e pelas rotas de comércio marítimo que o Budismo entrou na China, trazido por monges e mercadores oriundos da Índia e de reinos da Ásia central convertidos a lei de Buda. Pelas mesmas rotas, entraram na China os textos Budistas indianos, que foram traduzidos para o chinês por uma brilhante plêiade de monges tradutores, indianos, iranianos e mesmo chineses, que faziam longas peregrinações a Índia em busca de textos para traduzir.”  ( Gonçalves, 1992: 23)

 

A medicina budista afirma que existem quatro elementos que compõem o corpo humano. O Ratnakuta, traduzido para o chinês no segundo século da era cristã, afirma:

 

“1- A terra abrange tudo que é sólido no corpo humano…

2- A água abrange tudo que é liquido no corpo humano…

3- O fogo abrange tudo que é quente no corpo humano…

4- O vento abrange tudo que é movimento no corpo humano”

(Unschuld,1985:141)

 

A doença surge quando um ou mais destes quatro elementos aumenta ou diminui excessivamente. Esta afirmação da medicina budista é idêntica a do Ayurveda, a clássica medicina Indiana, com a diferença que no Ayurveda existe um quinto elemento que é o espaço ou éter.

A estrutura filosófica da medicina budista sofreu nas mãos dos tradutores chineses. houve interpretações equivocadas e muito pouco da literatura encontrou identificação no acervo cultural chinês.O prof. Paul Unschuld coloca que há tantas obras chinesas que ainda não foram examinadas que não será surpresa se ainda ocorrer uma influencia budista.

Hua to e Sun Si-miao ( 581 a 682D C) são citados como exemplos da influencia budista na Medicina Chinesa. Porem os esforços de Sun Si-miao em organizar a doutrina budista dos quatro elementos nas mesmas bases do paradigma do Qi, não foram suficientes para obter seguidores, talvez pelos erros matemáticos contidos na sua explicação. A falta de evolução e de seguidores nas técnicas de anestesia e cirurgia de Hua To ficaram sem explicação histórica. Uma possibilidade é que como sua história é muito semelhante a do médico indiano Jivaka, considerado o médico do próprio Buda, que Hua To seja uma fábula importada da Índia junto com o Budismo.

 

Prof. Dr. Aderson Moreira da Rocha

Médico de família, reumatologista, especialista em acupuntura pela Associação Médica Brasileira e especialista em Ayurveda pelo Arya Vaidya Pharmacy e Associação Brasileira de Ayurveda. Mestre e doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ e presidente da Associação Brasileira de Ayurveda.

A ESCOLA DO YIN–YANG

A teoria do Yin-Yang é tão antiga que muitas vezes confunde-se com a história da própria China. É difícil precisar exatamente quando surgiu pela primeira vez este pensamento, porém  Marcel Granet em “O Pensamento Chinês” relaciona as primeiras referências ao Yin-Yang  ao I-Ching:

“Não surpreende, portanto, constatar (levemos em conta aqui os acasos que regeram a conservação dos documentos) que as mais antigas exposições  conhecidas sobre o Yin-Yang estão contidas no Hi Zi, pequeno tratado anexado ao I Ching (o único manual de adivinhação que não se perdeu). Tampouco surpreende que o autor do Hi Zi fale do Yin-Yang sem pensar em dar uma definição deles. Na verdade basta lê-lo sem preconceitos para perceber que ele procede por alusão a idéias conhecidas. Veremos, inclusive, que o único aforismo contendo as palavras Yin e Yang em que podemos adivinhar a ideia que ele fazia destes símbolos aparece como uma fórmula pronta, um verdadeiro adágio: aliás, é nesse fato que reside a única possibilidade que nos é dada de conseguir interpretar este aforismo.

“Uma (vez) Yin, uma (vez) Yang ( yi Yin yi Yang), nisso está o Tao”, escreve o Hi Zi. Todo este adágio tem que ser adivinhado. A tradução mais literal corre o risco de falsear-lhe o sentido. A que acabo de fornecer já é tendenciosa sugere a interpretação: “um tempo de Yin, um tempo de Yang…” Sem dúvida existe a possibilidade de que o autor preocupado com a adivinhação encare as coisas do ponto de vista do tempo; entretanto, tomada em si, a fórmula poderia igualmente ler-se: “um ( lado) Yin, um (lado) Yang…” (Granet, 1997: 85)

O I Ching, livro das mutações, seria a referência mais antiga a teoria do Yin-Yang mas quando surgiu este antigo “oráculo chinês”, que foi dividido em 64 hexagramas  Richard Wihelm afirma:

“Segundo a tradição geralmente aceita, sobre a qual não temos motivo para levantar suspeitas, a atual compilação dos sessenta e quatro hexagramas teve sua origem com o Rei Wen, antecessor da dinastia Zhou. Diz-se que ele acrescentou breves julgamentos aos hexagramas durante o período que estava aprisionado por ordem do tirano Chou Hsin. O texto relativo as linhas foi redigido por seu filho, o Duque de Chou. Sob esta forma, com o título de “As Mutações de Chou”( Chou I ) foi usado como oráculo durante o período da dinastia Zhou como demonstram vários antigos registros históricos.” (Wilhem, 1983:11)

Apesar de Wilhelm colocar o I-Ching na época anterior a dinastia Zhou, Alaíde Mutzenbecher em seu trabalho sobre o I-Ching vai além:

“Composto apenas de duas forças, opostas e complementares, reconhecidas como primordiais desde o assentamento dos primeiros grupos tribais as margens do Rio Amarelo, no alvorecer da civilização chinesa, o fluxo do Yin-Yang admiravelmente sintetizado nas seis linhas ou etapas de cada hexagrama se constituía então dos traços impressos nas carapaças das tartarugas ou nos ossos dos animais. Impossível iniciar uma data que os chineses iniciaram a captação desta dinâmica energética. O par de forças inaugurais nas suas concatenadas variações, forma uma totalidade de possibilidades ( 8 x 8 ) resultando nos 64 hexagramas. Configura as energias vigentes entre céu e terra, codificadas apenas por linhas, em que as inteiras são denominadas Yang ______ e as partidas Yin ____ bem como todas as composições delas decorrentes. Tudo se resume em última instância, a malha de conexões dos pólos positivo e negativo, em todas as suas variações possíveis. Este foi também o texto fundador das ciências e das artes chinesas, incluindo as percepções das vibrações do corpo humano, ressaltadas na sua medicina, e dos espaços e construções habitados, enfatizadas no Feng Shui. Este mesmo fluxo energético constitui as bases da caligrafia a da pintura chinesa, e de todas as artes marciais do oriente. As implicações das mútuas repercussões dos pólos positivo Yang e negativo Yin constam das ciências mais modernas, pois se evidenciam na dinâmica da eletricidade e dos computadores, para citar apenas dois exemplos.“ (Mutzenbecher, 2002: 12 e 13)

Originalmente os ideogramas que representavam o Yin e o Yang significavam o lado escuro e o lado claro de uma montanha respectivamente. No Shih-Ching, uma coleção de canções populares do primeiro milênio a.C. faz a seguinte associação:

“O Yin está associado aqui com o frio, nublado, chuva, feminino, dentro e escuridão, enquanto o Yang simboliza uma linha de correspondência associada com: o brilho do sol, calor, primavera, verão e masculino.” (Unshuld,1985:55)

Na doutrina do Yin-Yang os termos Yin e Yang não apresentam nenhum significado específico, eles funcionam como símbolos utilizados para caracterizar duas linhas de correspondência. No Zouzhuan, comentário de Zou, uma crônica do período Zhou atribuída A Yi He, que teria vivido por volta do ano 540 A C observamos a aplicação da teoria do Yin-Yang a medicina:

“As seis influências são yin, yang, o vento, a chuva, a escuridão e a luz… um excesso de yin causa calafrios; um excesso de yang causa febre, um excesso de vento causa enfermidades nos membros; um excesso de chuva causa enfermidade no estômago; um excesso de escuridão afeta a mente; um excesso de luz afeta os sentimentos.”(Hoize e Hoize, 1993: 88)

Nesta afirmação de Yi He, médico durante a dinastia Zhou, observamos a importante utilização da medicina de correspondência sistemática aplicada as mudanças climáticas e a teoria do Yin-Yang. Yin Hui He e Zhang Bai Ne resumem a lei da oposição e restrição do Yin-Yang no seguinte parágrafo:

“A teoria do Yin e do Yang considera que qualquer objeto ou qualquer manifestação do mundo material está incluso no antagonismo complementar dos dois aspectos Yin e Yang, como o em cima e o embaixo, a direita e a esquerda, o céu e a terra,o movimento e o repouso, a saída e a entrada, o dia e a noite, o claro e o escuro, o frio e o quente, a água e o fogo etc. O Yin e o Yang enquanto antagônicos formam uma unidade que é por sua vez resultado deste antagonismo. Em outras palavras o antagonismo entre os dois em um aspecto de oposição e a unidade dos dois tem aspecto da complementaridade. Se não há antagonismo, não há unidade. Se não há oposição, também não há complementaridade. A principal manifestação característica do antagonismo complementar entre Yin e Yang é a mútua restrição. O resultado é que o Yin e o Yang alcançam a unidade no equilíbrio dinâmico denominado: o Yin floresce suavemente e o Yang estimula firmemente. Nas variações climáticas entre o morno, o calor, o fresco e o frio das quatro estações, o morno e o calor da primavera e do verão acontecem enquanto a energia Yang aumenta gradativamente, inibindo a energia fria e fresca do outono e inverno. O frio e fresco do outono e inverno acontecem enquanto a energia Yin aumenta gradativamente, inibindo a energia quente e morna da primavera e do verão. Isto é o resultado da mútua inibição e do equilíbrio dinâmico existente entre o Yin e o Yang da natureza.”  ( He e Ne, 1999: 19)

Esta colocação de Yin Hui He e Zhang Bai Ne resume a alternância e a complementaridade do Yin-Yang na natureza. Mas a medicina de correspondência sistemática utilizou, principalmente a partir do século V A C, a teoria do Yin-Yang aplicada as enfermidades. Com relação a aplicação do Yin-Yang a medicina Maciocia afirma:

“Poder-se-ia dizer que a Medicina Chinesa como um todo, sua fisiologia, patologia, diagnóstico, e tratamento, podem ser reduzidos a teoria básica e fundamental do Yin e do Yang. Todo processo fisiológico e todo sintoma ou sinal podem ser analisados sob a ótica da teoria do Yin-Yang. Cada parte do corpo humano apresenta um caráter predominantemente Yin ou Yang, muito importante na prática clínica. Deve-se enfatizar todavia que este caráter é somente relativo. Por exemplo, a área torácica é Yang em relação ao abdome (por ser mais alta), mas Yin em relação a cabeça.

Os caracteres Yin e Yang das estruturas corporais  são :

Yang                                                       Yin

Superior                                                  Inferior

Exterior                                                   Interior

Superfície póstero-lateral            Superfície antero-medial

Costas                                                       Frente

Função                                                      Estrutura

Cabeça                                                     Corpo

Exterior (pele-músculos)               Interior ( órgãos )

Acima da cintura                                Abaixo da cintura

Função dos órgãos                             Estrutura dos órgãos

Qi                                                                 Sangue”

(Maciocia, 1996:9)

 

A medicina de correspondência sistemática apresenta além da teoria do Yin-Yang mais três conceitos que são fundamentais dentro do seu desenvolvimento como uma racionalidade médica: As 5 fases , também chamadas de 5 elementos ou movimentos ( wu xing ), a teoria do Qi e os meridianos chineses ( jing luo ). Iremos analisar cada uma destas teorias que compõem a racionalidade médica chinesa nos primórdios de seu desenvolvimento histórico.

AS 5 FASES ou 5 MOVIMENTOS – WU XING

A teoria das 5 Fases, movimentos ou elementos (Wu Xing) junto com a teoria do Yin-Yang são as bases da medicina de correspondência sistemática que veio mudar o paradigma da saúde na China, principalmente a partir do século V a.C. Não estamos afirmando aqui que a medicina mágico-demonológica deixou de existir mas que os médicos do final da dinastia Zhou iniciaram um processo de buscar na natureza e seus fenômenos a causa das doenças e deixou-Se para os Shamans, que ainda estavam em franca atividade, as relações com o sobrenatural, ou seja com a magia, espíritos e demônios. O famoso escritor e acupunturista Giovanni Maciocia afirma:

“Pode-se dizer que a Teoria dos Cinco Elementos e sua aplicação na medicina marcam o início do que nós podemos chamar de “medicina científica” e o início da partida do Shamanismo. Os curadores não mais procuravam uma causa sobrenatural para as patologias: agora eles observam a Natureza e, com uma combinação dos métodos indutivo e dedutivo, começam a achar os padrões dentro disto e, por extensão, os aplicam na interpretação das patologias.”  (Maciocia, 1996; 23)

O livro Shang Shu, é provavelmente a mais antiga referência aos Cinco Elementos, ou como prefere Ted  Kapchup ( Kapchup, 1983: 343) “As Cinco Fases”, que chegou aos nossos dias. Acredita-se que tenha sido escrito no período médio da dinastia Zhou  entre 659 a 627 A C:

“Os Cinco Elementos são: Água, Fogo, Madeira, Metal e Terra. A Água umedece em descendência, o Fogo chameja em ascendência, a Madeira pode ser dobrada e esticada, o Metal pode ser moldado e endurecido, a Terra permite a disseminação, o crescimento e a colheita.” (Maciocia, 1996: 23)

Em seu pioneiro trabalho sobre a Medicina Chinesa no ocidente, “The Web That Has No Weaver”, Ted Kapchup comenta o erro nas traduções do Wu Xing pelos autores ocidentais:

“As Cinco Fases não são de maneira nenhuma constituintes da matéria. Este equívoco tem sido incorporado no erro comum de tradução; “Cinco Elementos” e exemplifica os problemas que surgem ao olharmos as coisas chinesas com o modelo de referência ocidental. O termo chinês que nós traduzimos como Cinco Fases é Wu Xing. Wu é o número cinco e Xing significa andar ou mover e talvez, mais adequadamente, nos traz a idéia de um processo. O Wu Xing, portanto são cinco tipos de processos, por conseguinte as Cinco Fases e não os Cinco Elementos. A teoria das fases é um sistema de correspondências e padrões que inserem eventos e coisas, especialmente em relação as suas dinâmicas. Mais especificamente cada Fase é um emblema que denota uma categoria de qualidades e funções relacionadas. A Fase chamada Madeira está associada com funções ativas que estão na fase de crescimento. O Fogo designa uma função que atingiu o seu máximo estado de atividade e está para começar a declinar ou entrar em um estado de repouso. Metal representa a função em um estado de declínio. A Água representa a Fase que atingiu o máximo estado de repouso e está para mudar em direção a atividade. Finalmente a Terra designa equilíbrio ou neutralidade, em certo sentido, a Terra é o pára-choque entre as outras Fases. Em um sentido que as Fases correlacionam-se a fenômenos observáveis da vida humana dentro de imagens derivadas do macrocosmos. Elas têm uma função similar dos elementos em outros sistemas médicos. Em termos mais concretos as Cinco Fases podem ser usadas para descrever os ciclos biológicos em termos de crescimento e desenvolvimento. A madeira corresponde a Primavera, O Fogo ao verão, o Metal ao outono e a Água ao inverno. E a Terra corresponde a transição em cada estação.” (Kapchup, 1983: 343)

Os Cinco Elementos ou Fases correspondem a cinco tipos de movimentação da matéria. O povo da China antiga durante os longos anos de existência, reconhecia a madeira, o fogo, a terra, o metal e a água como os elementos mais básicos e indispensáveis da natureza e os denominava as cinco matérias Wu Cai.

O principal expoente da teoria das Cinco Fases, Wu Xing, foi Zou Yan, que viveu entre 350 a 270 A C, ele procurava interpretar as mudanças sócio-políticas de acordo com a teoria dos Cinco Elementos, certa vez afirmou:

“Cada um dos Cinco Elementos é seguido por outro que não pode dominar. A dinastia Shun, dominava pela virtude da Terra, a dinastia Xia dominava pela virtude da Madeira, a dinastia Shang dominava pela virtude do Metal e a dinastia Zhou dominava pela virtude do Fogo. Quando alguma dinastia nova está para se Formar, o céu exibe sinais propícios para as pessoas. Durante a ascensão da dinastia Huang Ti ( o Imperador Amarelo), vermes e formigas grandes apareceram. Ele disse: “isto indica que o elemento Terra está em ascensão, então a cor deve ser amarela, e os nossos negócios devem estar identificados de acordo com os sinais da Terra”. Durante a ascensão de Yu, o Grande, o céu produziu plantas e árvores as quais não murcham no outono nem no inverno. Ele disse: isto é uma indicação de que o elemento Madeira está em ascensão, então nossa cor deve ser verde e nossos negócios devem estar identificados de acordo com os sinais da madeira’… (Maciocia, 1996: 24)

Existem, tradicionalmente, duas sequências de relações entre os Cinco Movimentos, Fases ou Elementos: A seqüência de geração e a seqüência de dominância que tem implicações na fisiologia, patologia, diagnóstico  e tratamento na Medicina Chinesa de correspondência sistemática. Foge ao objetivo desta pesquisa detalhar cada uma das aplicações das Cinco Fases na Medicina Chinesa mas vamos citar as palavras de Maciocia em relação as seqüências de geração e dominância:

“Na seqüência de geração cada Elemento gera o outro, sendo ao mesmo tempo gerado. Assim a Madeira gera o fogo, o Fogo gera a Terra, a Terra gera o Metal, o Metal gera a Água, e a Água gera a Madeira. Desta forma, por exemplo, a Madeira é gerada pela água, que por sua vez gera o Fogo. Isto é algumas vezes expressado como; a Madeira é filha da Água e mãe do Fogo. Na seqüência de controle cada elemento controla o outro ao mesmo tempo que é controlado. Assim Madeira controla a Terra, Terra controla a Água, a Água controla o Fogo, o Fogo controla o Metal e o Metal controla a Madeira. Por exemplo: a Madeira controla a Terra mas é controlada pelo Metal. A seqüência de Controle assegura que um equilíbrio seja mantido entre os Cinco Elementos.” ( Maciocia, 1996: 27)

Posteriormente, As Cinco Fases ou Cinco Elementos foram associados a teoria do Yin-Yang, que era mais antiga e utilizados em conjunto na medicina de correspondência sistemática. Este sincretismo entre as teorias do Yin-Yang e das Cinco Fases com o conceito do QI e dos meridianos chineses, Jing-Lo, veio formar os pilares da medicina de correspondência sistemática, que apresenta como primeiro texto o Huang Ti Nei Ching; compilação dos conhecimentos da Medicina Chinesa clássica até o século II a.C.

Em relação a correspondência dos Cinco Elementos dentro da Medicina Chinesa Giovanni Maciocia afirma:

“O sistema de correspondências é uma parte importante da Teoria dos Cinco Elementos. Este sistema é típico do pensamento chinês, conectando muitos fenômenos diferentes e qualidades dentro do microcosmo e o macrocosmo sob a proteção de um determinado Elemento. Os antigos filósofos chineses encontraram uma relação entre fenômenos aparentemente não conectados como um tipo de “ressonância” entre os mesmos. Vários tipos de fenômenos estariam unificados por uma qualidade comum indefinida, assim como dois fios vibrariam em uníssono. Um dos aspectos mais típicos da Medicina Chinesa é a ressonância comum entre os fenômenos da Natureza e do organismo. Algumas destas correspondências são amplamente verificadas e experimentadas o tempo todo na prática clínica, sendo que algumas parecem não convincentes, mas persiste a sensação de que há uma sabedoria profunda por trás de todas elas, a qual é ocasionalmente desconhecida.” (Maciocia, 1996:28)

Algumas das correspondências dos Cinco Elementos:

Madeira               Fogo              Terra             Metal              Água

 

Estações         Primavera            Verão            Canícula        Outono           Inverno

 

Direções         Leste                     Sul                 Centro           Oeste             Norte

 

Cores              Verde                 Vermelho        Amarelo         Branco           Negro

 

Sabores           Ácido                 Amargo           Doce               Picante          Salgado

 

Climas            Vento                 Calor                Umidade         Secura           Frio

 

Desenvolvimento    Nascimento      Crescimento    Transformação   Colheita      Armazenamento

 

Órgãos Yin      Fígado              Coração          Baço-Pâncreas     Pulmão          Rim

 

Víscera Yang    Vesícula         Intestino           Estômago            Intestino        Bexiga

Biliar            Delgado                                         Grosso

 

Prof. Dr. Aderson Moreira da Rocha

Médico de família, reumatologista, especialista em acupuntura pela Associação Médica Brasileira e especialista em Ayurveda pelo Arya Vaidya Pharmacy e Associação Brasileira de Ayurveda. Mestre e doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ e presidente da Associação Brasileira de Ayurveda.

O PARADIGMA DO QI: UM CONCEITO ALÉM DA ENERGIA VITAL

O paradigma do Qi é inseparável da medicina de correspondência sistemática  mas muitas vezes é equivocadamente interpretado de forma limitada por autores ocidentais que tentam utilizar conceitos cartesianos  para definir o Qi. O conceito do Qi chamou a atenção de filósofos chineses de todas as épocas até os tempos modernos.

O Concise English-Chinese Chinese English Dictionary traduz a palavra Qi como ar ou ar fresco já o Pocket Chinese English Dictionary afirma que Qi é ar, vapor, gás, respiração ou influência. Apesar disto muitos autores ocidentais traduzem a palavra como energia que  em mandarim é “huoli” .(Cowie and Evison, 1986: 194). Na verdade o ideograma chinês consiste de 2 partes: vapor subindo e arroz. Unschuld acrescenta:

“O caractere Qi consiste de dois segmentos distintos: um ideograma indicando “vapor subindo” que é colocado sobre o ideograma do arroz ou painço. Logo o caractere inteiro deve ser lido como o vapor subindo do arroz ou painço… Uma leitura mais genérica seria “vapores subindo do alimento” seria uma Versão alternativa do caractere, citada pelo dicionário etimológico Shuo-Wen do ano 100 D C …. Por tanto eu traduzi como “a influência mais refinada da matéria” ou simplesmente “influência”, com uma conotação material ou substancial em mente. Este pode não ser a interpretação ideal mas a escolha deste termo e a argumentação no qual ele é baseado deve demonstrar que a tradução de Qi, por alguns autores ocidentais e asiáticos, como energia representa um erro de concepção que não é apoiado pelas fontes chinesas antigas” ( Unschuld, 1985: 72)

O termo paradigma é adequado porque  o conceito de Qi está mais próximo de ser um modelo do que de ser uma entidade estável. Exatamente por isto que a tentativa de vários autores, ocidentais e orientais, de traduzir a palavra acaba limitando o modelo e sendo um equívoco, pois não existe uma palavra em qualquer língua ocidental que exprima de forma adequadamente o conceito de Qi dentro do pensamento chinês. Interessante observarmos a definição de Qi de Yin Hui He e Zhang Bai Ne:

“O Qi é a substância da matéria que está em movimento. Ela é tão fina, que não há nada no seu interior, e tão grande que não há nada no seu exterior. Tudo que é matéria é resultado do Qi em movimento. Sobre isto no “Huang Ti Nei Ching  Su Wen” encontramos: “Na origem do que é o céu está o Qi do céu. Na origem do que é a terra está o Qi da terra. O Qi do céu e da terra, juntos, se dividem nas seis estações e formam todas as coisas”. Em todas as coisas, neste texto, sem dúvida está incluso o homem. No Su Wen , Da Formação do Precioso da Vida encontramos: “O homem adquire a sua forma na terra. O destino está no céu. O Qi combinado do céu e da terra possibilita as atividades vitais do homem”( He e Ne,1999:5)

Com isto podemos ver que o paradigma do Qi é extremamente complexo e a melhor forma de abordarmos esta complexidade é entendermos o modelo sem tentar traduzi-lo para uma palavra, em nossa língua que, necessariamente, iria limitar o conceito. O professor Cheng Xin Nong, considerado um dos maiores acupunturistas do século XX afirma:

“De acordo com o pensamento chinês antigo, o Qi era a substância fundamental construtora do universo, e todos fenômenos são produzidos pelas mudanças e movimentos do Qi. Este ponto de vista influenciou, marcadamente, a teoria da Medicina Tradicional Chinesa. Falando de uma forma geral, a palavra Qi dentro da Medicina Tradicional Chinesa refere ao mesmo tempo as substâncias essenciais do corpo humano que mantém suas atividades vitais e as atividades funcionais dos tecidos e órgãos Zang Fu. As substâncias essenciais são a fundação das atividades funcionais. Neste sentido o Qi é muito rarefeito para ser visto e sua existência é manifestada nas funções dos órgãos Zang Fu. Todas as atividades vitais do corpo humano são explicadas pelas mudanças e movimentos do Qi. (Nong, 1997:46)

O CONFUCIONISMO

Durante a dinastia Zhou, no século VI a. C, surgiu na China a primeira das 3 escolas clássicas do pensamento chinês, a saber: confucionismo, taoísmo e budismo. O fundador do confucionismo, Gong Qiu, viveu de 551 a 479  A.C., ficou conhecido no ocidente pela latinização de seu nome: Confúcio. Conta a lenda que nascido em uma castas de nobres pertencentes a uma classe inferior ascendeu de posição e se tornou o primeiro ministro. Porém ficou decepcionado com a depravação do soberano e desistiu de sua posição para vagar na companhia de seus discípulos buscando um lugar que pudesse aplicar sua filosofia.

     Segundo Confúcio, a força Te, que em eras antigas relacionava-se com influencias mágicas, agora emanava da conduta moral impecável baseada na virtude humana, piedade e justiça do homem superior. O homem superior não estava mais determinado automaticamente pelo nascimento, mas pela aquisição de certas qualidades. Confúcio acreditava na habilidade inata do homem de aprender e achava necessário que o príncipe deveria ser a pessoa que melhor incorporava a virtude. Uma das mais importantes afirmações da filosofia de Confúcio, que relaciona-se diretamente com a Medicina Chinesa de correspondências sistemáticas ( teoria do yin-yang e 5 fases),  era que o excesso em qualquer área quebra a ordem social e deve portanto ser evitado.

O trabalho de Hsun Tzu ( 238  a. C.), seguidor de Confúcio,  merece especial atenção, pois revela claramente a relação entre o confucionismo e a Medicina Chinesa de correspondência sistemática, que posteriormente formularia a teoria do yin-yang e das 5 fases, foram descritas pela primeira vez no Huang Ti Nei Ching ( o livro clássico da medicina interna do Imperador Amarelo) no século II   a.C.. Hsun Tzu afirma:

“O verdadeiro governante começa a colocar o seu estado em ordem quando a ordem ainda prevalece; ele não espera que as insurreições já tenham eclodido.” ( Hsun Tzu em Unschuld, 1985: p.63)

 

No livro clássico de medicina interna do Imperador Amarelo ( Huang Ti Nei Ching ) existe uma passagem muito semelhante a esta afirmação de Huan Tzu, demonstrando a importancia da filosofia de Confúcio no desenvolvimento do pensamento médico chinês:

“ Os sábios não tratam aqueles que já caíram doentes, mas aqueles que não estão doentes. Eles não colocam o seu estado em ordem apenas quando a revolta esta em desenvolvimento mas antes de ocorrer a insurreição. (Huang-Ti Nei Ching Su Wen, em Unschuld, 1985: p 63)

          O sábio Hsun Tzu ensinava que cada ser humano pode elevar-se a um grande estado de moralidade através do estudo dos livros clássicos e levando os costumes seriamente. Nos seus escritos afirmava:

“Se a pessoa utiliza seu corpo e sua natureza , seu discernimento, entendimento e deliberação com o senso apurado, da maneira como o costume recomenda, seguir-se-ão a ordem e o sucesso, caso contrario, o resultado é a imprecisão e a sublevação, ociosidade e indisciplina. Se o consumo de comida ou bebidas, o vestuário, os alojamentos dentro e fora de casa, assim como o movimento e o descanso são cumpridos de maneira como o costume recomenda, atingir-se-á harmonia e ordem; caso contrario para o que não cumpre este estará sujeito ao ataque e a traição, e a doença ocorrerá.”  ( Hsun Tzu em Birch e Felt, 2002: p. 11)

Apesar dos ensinamentos de Confúcio serem eminentemente práticos a realização deles por uma pessoa comum não é nada fácil. Como disse certa vez o próprio Confúcio:

 

“Eu nunca vi alguém que realmente amava a humanidade ou alguém que odiava a desumanidade. Alguém que realmente ama a humanidade não colocará nada acima disto, alguém que realmente odeia a desumanidade irá praticar a humanidade de tal maneira que a desumanidade não terá chance de alcançá-lo. Existe alguém que consagrou sua força a humanidade durante apenas um dia? Eu não encontrei ninguém com a suficiente força para fazer isto. Talvez exista esta pessoa mas eu não a vi.”(Shu Hsien Liu, em Bishop ed., 1995:p. 21)

O processo educacional que Confúcio experimentou durante a sua vida é extremamente interessante. Nas palavras de Confúcio:

“Aos 15 anos minha mente estava firme no aprendizado. Aos 30 anos o meu caráter estava formado. Aos 40 eu não tinha mais perplexidades. Aos 50 eu sabia o “Mandato dos Céus”(Tien Ming). Aos 60 eu estava confortável com tudo que eu ouvia e aos 70 eu podia seguir os desejos do meu coração sem transgredir ao princípios morais” ( Shu Hsien Liu, em Bishop ed., 1995: 22)

A filosofia confucionista teve uma grande influencia no pensamento da Medicina  Chinesa. Pois o conceito do homem superior, desenvolvido por Confúcio, veio trazer um ideal de ser humano que foi utilizado a partir de então na antiga tradição médica da China. Podemos encontrar as raízes do desenvolvimento da medicina chinesa de correspondência- sistemática, baseada na teoria do yin-yang e das 5 fases, nos escritos de Confúcio:

“Um erudito determinado e um homem de humanidade nunca irá procurar viver as custas do prejuízo da humanidade. Ele poderia sacrificar a sua vida a fim de realizar  a humanidade.” (Shu Hsien Liu, em Bishop ed, 1995:p.  22)

 

A partir do século V A.C. a escola confucionista foi a filosofia que veio transformar todo o pensamento chinês que antes era baseado na escola Shamanista ou mágico-demo-

nologica. Nas palavras do próprio Confúcio:

“Devote a si mesmo, zelosamente, as obrigações com os homens, e respeite os seres espirituais mas mantenha-os a distancia. Isto pode ser chamado de sabedoria.”(Shu Hsien Liu, em Bishop ed , 1995: 23)

No seu trabalho “ A History of Chinese Philosophy” Fung Yu Lan coloca:

“Eu, portanto, afirmaria que:

 

  1. Confúcio foi o primeiro homem na China a fazer do magistério sua profissão, então popularizou a cultura e a educação. Foi ele que abriu o caminho para os muitos eruditos e filósofos viajantes dos séculos seguintes. Foi, também, ele que inaugurou, ou ao menos desenvolveu, esta classe de cavalheiros na China antiga que não eram fazendeiros, artesãos, comerciantes nem funcionários públicos, mas eram professores profissionais e potencialmente funcionários públicos.
  2. As atividades de Confúcio, eram semelhantes, em muitas maneiras aquelas dos  Sofistas Gregos.
  3. As atividades de Confúcio e sua influencia na história chinesa foram semelhantes àquela de Sócrates no ocidente.” (Fung Yu Lan, 1994: 48 e 49)

 

No livro “ Entendendo a Acupuntura” dos pesquisadores Birch e Felt encontra-se a seguinte colocação:

“De certa forma podemos afirmar que o confucionismo restabeleceu a antiga ordem moral em que se supunha que um soberano e seus ministros tinham a competência em garantir o bem estar de todos, usando seu elo com o sobrenatural. No entanto, em vez de atribuir essa competência ao contato exclusivo com as divindades, Confúcio atribuía a conduta moral imparcial”. (Birch e Felt, 2002: 11)

     A transformação dos hábitos comportamentais e das instituições sociais decorrente da absorção de novos pontos de vista é outra característica da China que se repete por toda a sua história. Portanto foi natural que o elo  do pensamento da escola confucionista entre o comportamento humano e os resultados sociais se expressasse paralelamente no desenvolvimento da medicina e que a linguagem medica adquirisse a conotação dos conceitos antigos pois os ideogramas haviam sido feitos em função destes conceitos.

A teoria da medicina de correspondência sistemática afirma que as direções e tendências da vida estão sujeitas a intervenção humana inteligente e ou comportamento individual adequado. Aqueles que acreditavam, na China antiga, que a doença seja desagrado de um agente sobrenatural normalmente não buscavam a causa da enfermidade no seu comportamento ou nos fenômenos chamados naturais.  A mudança de paradigma de uma medicina mágico-demonológica baseada em fenômenos sobrenaturais para a medicina de correspondência sistemática com raízes na observação dos fenômenos naturais teve como pedra angular a filosofia de Confúcio pois esta enfatizava a moderação no comer,, beber,  dormir e  afirmava de que a doença entra pela boca. Certa vez o filósofo fez a seguinte afirmação:

“ Um Homem sem persistência não será nem um adivinho nem um médico”  (Fu Yu Lan, 1994:p. 65)

Podemos observar neste momento histórico, século V A.C., uma importante transformação no conceito de doença/cura, pois aquilo que antes era tratado pelas oferendas aos ancestrais ou por rituais e exorcismos através de fenômenos sobrenaturais passou a ser  abordado pela mudança de comportamento com um tom moral muito particular devido a influencia do confucionismo. As mudanças neste período histórico levaram os autores Birch e Felt a afirmarem:

“O período final da dinastia Zhou é conhecido como a época dos “Estados Combatentes”, ( 480 a 221 A C) foi quando houve a dissolução final do feudalismo chinês através de disputas sangrentas entre os grandes e pequenos principados. Neste grande conflito armado todos os traços do “cavalheirismo feudal” foram esquecidos já que a regra era guerrear até o fim. Os reis perderam a sua importância e haviam se tornado mais uma peça a ser removida. Neste período a filosofia era que os camponeses deveriam se dedicar ao cultivo da agricultura e a fazer uso das armas. Apesar desta ser uma das épocas mais violentas da historia da China, houve no final deste período a consolidação de um império na China através do monarca Qin que abriu caminho para a cultura chinesa alcançar um dos seus períodos de maior desenvolvimento”. ( Birch e Felt, 2002 :12 )

Nesta lista abaixo, Unchuld, coloca os principais paradigmas e sub-paradigmas do desenvolvimento histórico da Medicina Chinesa.

1-  O paradigma da relação de causa e efeito entre fenômenos correspondentes.

1.1 Causação através da correspondência mágica

1.1.1. Mágica Homeopática

1.1.2    Mágica por contato

1.2 Causação através da Correspondência Sistemática

1.2.1    Correspondência do Yin/Yang

1.2.2    Correspondência das 5 fases

 

  1.  O paradigma da relação de causa e efeito entre fenômenos não correspondentes.

2.1 Causação através da intervenção de fenômenos supranaturais

2.1.1 Ancestrais

2.1.2 Espiritos e demônios

2.1.3 Deuses

2.1.4 Leis transcendentais

2.2 Causação através de influencia de fenômenos naturais

2.2.1 Alimentos e bebidas

2.2.2 Ar e vento

2.2.3 Neve e umidade

2.2.4 Calor e frio

2.2.5 Influencias materiais sutis

2.2.6 Parasitas, vírus, bactérias e outros.( Unschuld, 1985:p. 7)

Na verdade o objeto de estudo desta pesquisa neste momento é a mudança de paradigmas que se iniciou na Medicina Chinesa no final da dinastia Zhou, no chamado “Estados Combatentes” ( 480 a 221 A .C.)e nas dinastias subseqüentes. A Partir do século V A.C. surge uma escola dentro da Medicina Chinesa que propõe uma explicação diferente para o processo saúde/doença, que estava baseado em fenômenos sobrenaturais da medicina mágico-demonológica: Esta escola revolucionária foi a medicina de correspondência sistemática que busca nos fenômenos naturais a explicação para o adoecimento humano.

 

      No seu livro Fundamentos da Medicina Chinesa, Giovanni Maciocia, afirma:

“A escola filosófica que desenvolveu a teoria do Yin e Yang ao seu mais alto nível é chamada de Escola Yin-yang. Muitas escolas de pensamento surgiram durante o período de guerra entre os estados ( 476 a 221  A C.) e a escola Yin-Yang foi uma delas. Dedicava-se ao estudo do Yin-Yang e dos Cinco Elementos e seu principal expoente foi Zou Yan ( 350 a 270 A C.). Esta escola é chamada algumas vezes de Escola Naturalista uma vez que interpreta a natureza de modo positivo, além de utilizar leis naturais a fim de obter vantagens para o homem, não por meio da submissão e controle da mesma ( como acontece na ciência ocidental moderna), mas agindo em harmonia com as suas leis. Esta  escola representa uma tendência a qual podemos atualmente chamar de ciência naturalista, e as teorias do Yin-Yang e dos Cinco Elementos servem para interpretar o fenômeno natural, incluindo o organismo humano, tanto na saúde como nas patologias”.(Maciocia, 1996:p. 2)

 

     O paradigma de correspondências pode ser aplicado tanto para a correspondência mágica como para a correspondência sistemática. Aquele  que melhor explicou isto foi o famoso sinólogo alemão Paul Unschuld:

O paradigma de correspondências combina dois conjuntos de conceitos pelos quais as relações conceituais próximas justificam a designação comum. Estes são os conceitos da correspondência mágica e os conceitos da correspondência sistemática. Ambos são baseados no mesmo principio, nominalmente que o fenômeno do mundo visível e invisível permanecem em dependência mútua através da sua associação com certas linhas de correspondência. O paradigma de correspondência afirma que a manipulação de um elemento em uma linha especifica de correspondência pode influenciar outros elementos da mesma linha. As linhas de correspondência mágica são usualmente separadas umas das outras e não podem exercer influencia sistemática mútua. Na ciência de correspondência sistemática, entretanto, os conceitos mágicos foram refinados e combinados com os elementos da doutrina do Yin-Yang e com a teoria das Cinco Fases e todas as linhas de correspondências foram integradas em um sistema detalhado de correspondência mutua.” (Unschuld, 1985: 52)

 

No  final da dinastia Zhou haviam 2 tendencias que dominavam o  pensamento mëdico da época : a correspondência mágica e a correspondência sistemática. Dentro da correspondência mágica podemos apontar 2 linhas distintas:

 

  1. A mágica de contato: onde o contato ou a união precedente entre 2 elementos , cria uma relação na qual a manipulação de um dos elementos, que estão agora separados, produz um efeito visível sobre o outro.
  2. A mágica homeopática: está baseada no principio que semelhantes correspondem ou influenciam semelhantes. Acredita-se aqui que o prejuízo ou lesões feitas sobre a imagem de uma pessoa pode resultar em danos verdadeiros nesta pessoa. Dentro desta tendência alimentar-se de nozes, por exemplo, é benéfico ao cérebro pois as nozes têm uma forma semelhante ao cérebro.

     No Livro denominado “Clássico das Montanhas e dos Mares” ( Shan-hai Ching), que foi compilado entre o século VIII e I a. C. demonstra como pode-se transportar os conceitos da mágica homeopática para os processos fisiológicos

“Existe uma planta lá … que não produz frutos. É chamada Ku Jung. Aqueles que a consumirem não terão filhos. Existe um animal lá que a aparência lembra a do gato selvagem… Ele combina ambos os sexos: masculino feminino. Aquele que o consumir  não terá ciúmes.”(Unschuld, 1985: p. 53)

A mudança de paradigma de uma medicina mágico-demonológica para um sistema baseado em uma correspondência sistemática como as teorias das 5 Fases ou Elementos,

Wu Xing em mandarim, e do Yin-Yang não está bem esclarecida pois faltam documentos suficientes, nas antigas fontes chinesas, para permitir uma identificação fidedigna desta transformação. Paul Unschuld coloca a possibilidade de uma influencia originária de algum lugar ao ocidente da China. As idéias podem ser transmitidas e assimiladas mas muitas vezes transformadas e adaptadas pela nova cultura e língua daquela região que recebeu o novo pensamento.

 

“ A possibilidade de um estimulo estrangeiro não pode ser excluída. É comumente aceito que o desenvolvimento da filosofia grega, isto é, o passo do “mythos” para  “logo” originou-se de influencias antigas de algum outro centro cultural a leste. Os filósofos gregos pegaram aquilo que eles aprenderam de fora, desenvolveram e deram a isto uma aparência grega. Eles não se envergonharam de terem assimilados  pensamentos externos; pelo contrário, eles se orgulharam de terem refinado aquilo que foi trazido a eles em um estado rudimentar. Cerca de 2 séculos mais tarde , um desenvolvimento similar ocorreu na China e as doutrinas conceitualizadas pelos filósofos chineses eram tão inovadoras na historia intelectual chinesa quanto as idéias de Anaximander, Empédocles e Demócrito foram na Grécia. Um impulso filosófico pode ter surgido de uma fonte desconhecida em algum lugar entre a Grécia e a China, carregado pela sua força revolucionária, nunca embora tenha preenchido, o vazio prévio, na sua forma original mas para ser sempre moldada e para ser adaptada as condições locais, correspondendo ao desenvolvimento intelectual local.” (Unschuld, 1985: 54 e 55)

 

Jagadis Chandra Bose, cientista indiano, educado em Cambridge no inicio do século XX declarou durante a inauguração do Instituto Bose, centro de pesquisas em Calcutá:

 

“Alem disto, desejo que as oportunidades oferecidas por este Instituto sejam postas ao alcance, tanto quanto possível, de pesquisadores de todos os países. Quanto a isto esforço-me para levar avante as tradições de meu país. Há vinte e cinco séculos atrás a Índia acolhia, em suas antigas Universidades de Nalanda e Taxila, estudiosos de todas as partes do mundo.” (Bose, em Yogananda, 1981:p. 76)

 

Asha Dhar, M.A., em Indian Review, Madras, citado em Self-Realization Magazine, setembro de 1953 afirma:

 

“ A cidade universitária de Taxila era o centro predileto de especialização procurado pelos estudiosos gregos da antiguidade. Muitos gregos passaram a morar na Índia e adotaram o hinduismo e o budismo. A doutrina da reencarnação de Pitágoras tem indubitavelmente origem hindu. Diz-se que Platão, grande admirador da escola pitagórica, em viagem aos países asiáticos, visitou a Pérsia e demorou-se na Índia; seu pensamento reflete a filosofia Shankya; sua tese “A Republica” reafirma idéias hindus; sua divisão da sociedade em corporações nada mais é que o sistema de castas hindu. Max Muller sustentou a surpreendente semelhança entre a linguagem de Platão e a dos Upanishads. Platino revela grande influencia do pensamento Shankya e da concepção budista do nirvana. As fábulas de Esopo são a versão grega das estórias do Panchatantra, a mais velha coleção de fabulas e contos folclóricos da India, levada a terras distantes por marinheiros e mercadores. As Mil e uma Noites e Sinbad, o marujo são versões árabes das estórias maravilhosas hindus. No ano 60 da era cristã, estudiosos chineses iam aprender na famosa Universidade Nalanda, em Bengala, alem de medicina, ciência farmacêutica e astronomia, tambem pintura musica e artesanato.”(Dhar, em Yogananda, 1981:p. 76)

Podemos colocar a hipótese que Dhar e Bose estejam lançando uma luz na afirmação de  Unschuld de que possivelmente uma influencia externa tenha sido a mola propulsora no desenvolvimento do pensamento chinês que levou a formulação da medicina de correspondência sistemática  .” O impulso filosófico que pode ter surgido de uma fonte desconhecida entre a Grécia e a China” segundo Unschuld, seria possivelmente o sul da Ásia ou mais precisamente o sub-continente indiano. Onde existia uma civilização, mais antiga que a chinesa, que teve importante influencia no pensamento filosófico asiático através do hinduísmo e seu filho o budismo.

 

Prof. Dr. Aderson Moreira da Rocha

Médico de família, reumatologista, especialista em acupuntura pela Associação Médica Brasileira e especialista em Ayurveda pelo Arya Vaidya Pharmacy e Associação Brasileira de Ayurveda. Mestre e doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ e presidente da Associação Brasileira de Ayurveda.